Como referenciar este texto: ‘Cuidar para educar: Saúde mental e bem-estar na escola’. Rodrigo Terra. Publicado em: 21/05/2025. Link da postagem: https://www.makerzine.com.br/educacao/cuidar-para-educar-saude-mental-e-bem-estar-na-escola/.
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Quando pensamos em educação, muitas vezes a imagem que vem à mente é a de salas de aula, livros e provas. Mas, por trás de cada conteúdo ensinado, existe um universo de emoções, desafios e sonhos que compõem a vida de alunos e professores. Nos últimos anos, principalmente após a pandemia, falar sobre saúde mental nas escolas deixou de ser tabu para se tornar uma necessidade urgente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada sete crianças e adolescentes, em idade escolar, sofre com algum transtorno mental — e esse número cresceu durante e após os períodos de isolamento.
Em uma escola de bairro, certa vez, uma professora percebeu que um aluno cada vez mais quieto e disperso nas aulas estava passando por dificuldades em casa. Bastou uma conversa acolhedora para que ele se sentisse ouvido, encontrasse apoio e, pouco a pouco, voltasse a se envolver com a turma. Pequenas atitudes de cuidado podem transformar jornadas inteiras.
Por que Falar de Saúde Mental nas Escolas?
Falar sobre saúde mental no contexto escolar é olhar para além das notas, provas e conteúdos programáticos. É reconhecer que aprender e ensinar são processos profundamente humanos, atravessados por emoções, relações e experiências. A escola não é apenas um espaço de transmissão de conhecimento, mas um ambiente de convivência, construção de identidade e desenvolvimento integral.
Quando tratamos de saúde mental, estamos falando do equilíbrio emocional, da capacidade de lidar com desafios, de cultivar relações saudáveis e de manter o bem-estar no dia a dia. Para crianças e adolescentes, a escola representa um dos principais ambientes de socialização. É nela que muitos descobrem suas potencialidades, enfrentam inseguranças, experimentam frustrações e aprendem a se relacionar com o outro.
A importância desse tema ficou ainda mais evidente nos últimos anos. Com a pandemia, milhares de estudantes passaram longos períodos longe da escola, enfrentando situações de isolamento, perdas familiares, insegurança alimentar e desafios no acesso às aulas remotas. Estudos recentes mostram que sintomas de ansiedade, depressão e estresse aumentaram de forma significativa entre estudantes brasileiros, sobretudo nas redes públicas. Uma pesquisa da Fundação Lemann e do Instituto Datafolha, por exemplo, apontou que 57% dos estudantes afirmaram sentir ansiedade ou nervosismo frequentemente após o retorno das aulas presenciais em 2022.
Além dos alunos, os professores e demais profissionais da educação também foram fortemente impactados. Pressão para adaptar métodos, incertezas sobre o futuro, carga emocional do cuidado com os alunos e excesso de trabalho remoto contribuíram para o aumento dos índices de burnout e exaustão mental na categoria. O resultado é um ambiente escolar que, muitas vezes, sofre com tensões emocionais não reconhecidas ou não tratadas.
Por isso, falar sobre saúde mental nas escolas é uma forma de garantir o direito à educação plena, considerando o ser humano em sua totalidade. É também uma estratégia para combater o abandono e a evasão escolar, que muitas vezes têm raízes em problemas emocionais e falta de pertencimento. Promover o bem-estar no ambiente escolar fortalece a aprendizagem, melhora o clima entre alunos e professores e ajuda a criar comunidades mais empáticas e preparadas para lidar com as complexidades do mundo contemporâneo.
Neste contexto, escolas que acolhem, escutam e apoiam seus estudantes tornam-se mais do que lugares de ensino: tornam-se espaços de formação para a vida.
O Papel do Professor e da Comunidade Escolar
A saúde mental e o bem-estar no ambiente escolar não são responsabilidades isoladas: são fruto de um compromisso coletivo, envolvendo professores, gestores, funcionários, estudantes e até as famílias. No centro desse ecossistema, o professor assume um papel fundamental, não apenas como mediador do conhecimento, mas também como referência afetiva e emocional para seus alunos.
Em muitas situações, o professor é o primeiro adulto fora do círculo familiar a perceber mudanças no comportamento de uma criança ou adolescente. Um aluno que, de repente, se mostra mais retraído, agressivo ou disperso, pode estar sinalizando questões emocionais ou dificuldades fora do âmbito escolar. Estar atento a esses sinais é uma forma valiosa de cuidado, que vai além do ensino de conteúdos formais. Práticas simples como oferecer uma escuta empática, criar espaços de diálogo na rotina da sala de aula e respeitar o tempo e os sentimentos dos alunos contribuem para um ambiente mais seguro e acolhedor.
O acolhimento, nesse sentido, não exige grandes investimentos ou infraestrutura sofisticada — mas sim uma postura aberta, humana e sensível. Perguntar como o aluno está se sentindo, valorizar suas conquistas e respeitar suas limitações são pequenas atitudes que fazem grande diferença. Em muitos casos, um simples “posso te ajudar?” ou “quer conversar?” pode abrir portas para que o estudante compartilhe seus sentimentos, se sinta reconhecido e encontre apoio.
Além disso, a construção de um ambiente de bem-estar depende do envolvimento da comunidade escolar como um todo. Gestores e coordenadores pedagógicos têm o papel de promover ações que fortaleçam o cuidado mútuo e a cultura de respeito. Isso inclui criar espaços para a escuta dos profissionais da escola, implementar protocolos de prevenção ao bullying e promover projetos que incentivem o diálogo sobre saúde mental com toda a comunidade.
Não menos importante é o autocuidado do próprio professor. Em um cenário de demandas crescentes, prazos apertados e exigências emocionais constantes, muitos docentes acabam colocando as necessidades dos outros acima das suas próprias. No entanto, para cuidar do outro, é indispensável também olhar para si. Práticas de autocuidado — como buscar apoio psicológico, reservar momentos para lazer e descanso, praticar atividades físicas e fortalecer vínculos sociais — não são luxo, mas sim uma condição essencial para manter a saúde mental em dia.
O trabalho colaborativo, em que todos se apoiam, compartilham experiências e constroem redes de suporte, é um caminho promissor. Quando professores, gestores e funcionários se sentem acolhidos e valorizados, conseguem criar um ambiente mais saudável, leve e produtivo para todos.
Tecnologia como Aliada
Vivemos em uma era em que a tecnologia permeia todos os aspectos da vida — e, claro, não seria diferente na escola. Quando falamos em saúde mental e bem-estar, a tecnologia pode ser uma grande aliada, tanto para alunos quanto para educadores, desde que utilizada com intencionalidade e equilíbrio.
Nos últimos anos, surgiram inúmeras plataformas, aplicativos e ferramentas digitais voltadas ao acompanhamento emocional, ao estímulo do autoconhecimento e à promoção de ambientes escolares mais saudáveis. Existem aplicativos de meditação guiada, como o Calm e o Headspace, que podem ser utilizados em momentos de pausa, ajudando alunos a reduzir a ansiedade e focar a atenção antes de avaliações ou após situações de conflito. No Brasil, projetos como o Zenklub oferecem acesso online a psicólogos e conteúdos de saúde mental, facilitando o apoio especializado quando necessário.
Além disso, existem ferramentas criadas especialmente para o contexto escolar. O app brasileiro “Cuca Legal”, por exemplo, permite que estudantes compartilhem como estão se sentindo por meio de emojis ou breves mensagens, promovendo um canal de escuta ativa para a equipe pedagógica. Outras plataformas, como o EducaX, possibilitam a realização de enquetes diárias sobre o humor da turma, ajudando professores e gestores a identificar rapidamente sinais de alerta ou mudanças no clima escolar.
Essas soluções tecnológicas também favorecem o desenvolvimento do autoconhecimento e da autorregulação emocional entre os próprios alunos. Dinâmicas que envolvem o registro das emoções, diários digitais ou jogos educativos sobre sentimentos podem ser incorporados ao cotidiano, incentivando a reflexão sobre o que sentem e como lidam com situações desafiadoras.
No entanto, é fundamental lembrar que a tecnologia deve ser vista como um recurso complementar — e não como substituta do olhar humano. O contato presencial, a conversa olho no olho, a escuta atenta e o acolhimento genuíno seguem sendo insubstituíveis no cuidado com a saúde mental. A tecnologia pode ampliar possibilidades, agilizar o acompanhamento, oferecer recursos de apoio e democratizar o acesso à informação, mas não elimina a importância das relações construídas na escola.
Outro aspecto importante é o cuidado com os excessos. O uso desenfreado das telas, tanto em casa quanto na escola, tem sido associado a quadros de ansiedade, distúrbios do sono e até mesmo isolamento social. Por isso, a mediação dos adultos é fundamental, estabelecendo limites e promovendo um uso consciente, saudável e intencional das ferramentas digitais.
Por fim, cabe à escola avaliar, de forma crítica e participativa, quais tecnologias fazem sentido para sua realidade e como podem ser integradas ao projeto pedagógico. Escutar a comunidade escolar, testar soluções em pequena escala, envolver os próprios alunos no processo e garantir a privacidade e a segurança dos dados são passos essenciais para que a tecnologia contribua, de fato, para o bem-estar coletivo.
Assim, ao enxergar a tecnologia como aliada — e não como vilã —, escolas podem inovar no cuidado emocional, tornando o ambiente escolar mais conectado, acolhedor e preparado para os desafios do nosso tempo.
Estratégias e Práticas para Promover o Bem-Estar
Falar sobre saúde mental na escola precisa ir além do discurso: requer ações concretas e cotidianas, que envolvam toda a comunidade escolar. Existem diversas estratégias, simples e acessíveis, que podem ser implementadas para promover o bem-estar de alunos, professores e funcionários. Muitas delas não exigem grandes investimentos, apenas intencionalidade, criatividade e abertura para a construção coletiva.
Rodas de Conversa e Espaços de Escuta
Uma das práticas mais poderosas é criar, na rotina escolar, momentos regulares de escuta ativa, onde alunos possam compartilhar sentimentos, preocupações e conquistas. Rodas de conversa no início ou no fim do dia, por exemplo, permitem que todos expressem como estão se sentindo, fortalecendo o senso de pertencimento e a empatia. Nesses espaços, o papel do adulto é mediar, garantir o respeito e validar todas as emoções, sem julgamentos. A escuta ativa, além de prevenir conflitos, ajuda a identificar precocemente situações de sofrimento emocional.
Dinâmicas Colaborativas e Atividades Lúdicas
Outra estratégia eficaz é o uso de dinâmicas colaborativas e jogos que trabalhem habilidades socioemocionais — como empatia, cooperação, resolução de conflitos e comunicação não violenta. Atividades como “amigo secreto do elogio”, painéis de sentimentos, dramatizações ou até jogos digitais sobre emoções contribuem para criar uma cultura de respeito e cuidado mútuo. O uso de recursos lúdicos favorece o engajamento dos alunos e transforma o clima da sala de aula.
Momentos de Pausa e Relaxamento
Incorporar momentos de pausa ao longo do dia é fundamental para o bem-estar. Práticas simples de respiração, alongamento ou meditação guiada podem ser realizadas em poucos minutos, antes de provas, após o recreio ou em dias mais tensos. Além de reduzirem o estresse, esses momentos ajudam a promover o autoconhecimento e a concentração. Algumas escolas já adotam a “hora do silêncio” ou “minuto do relaxamento” como parte da rotina, com resultados muito positivos.
Ambientes Acolhedores e Incentivo à Convivência
O ambiente físico também influencia o bem-estar. Criar espaços de convivência, áreas verdes, murais interativos ou cantinhos da leitura estimula a socialização, o descanso e a criatividade. Mesmo em escolas com poucos recursos, pequenas mudanças — como reorganizar as carteiras em círculo, decorar a sala com trabalhos dos alunos ou reservar um espaço para mensagens positivas — podem fazer grande diferença na atmosfera do ambiente escolar.
Cultura do Cuidado e Trabalho em Rede
Para além das ações pontuais, é fundamental construir uma cultura do cuidado, onde todos se sintam responsáveis pelo bem-estar coletivo. Isso significa envolver não só professores e alunos, mas também gestores, funcionários, famílias e a comunidade externa. Projetos interdisciplinares, campanhas de valorização da saúde mental, parcerias com profissionais de psicologia e momentos de formação continuada para os educadores fortalecem essa rede de apoio.
Promoção do Autocuidado
O bem-estar dos professores também deve ser prioridade. Incentivar práticas de autocuidado, criar espaços de escuta entre colegas, promover rodas de conversa entre educadores e oferecer apoio institucional (como acompanhamento psicológico ou orientações sobre gestão do estresse) são medidas que repercutem positivamente no clima escolar.
Pequenas Ações, Grandes Mudanças
Por fim, vale lembrar que a transformação começa com pequenas atitudes: um bom dia atento, um elogio sincero, a valorização das singularidades de cada um. O bem-estar é resultado de gestos cotidianos, construídos coletivamente, que, somados, tornam a escola um lugar mais saudável, seguro e inspirador para todos.
Inclusão e Diversidade no Bem-Estar
Promover saúde mental e bem-estar no ambiente escolar é um compromisso que deve contemplar todas as realidades. Não basta criar práticas universais: é preciso reconhecer, valorizar e respeitar as diferentes vivências, origens, identidades e necessidades dos estudantes, dos educadores e de toda a comunidade escolar. Sem uma abordagem inclusiva, o risco é reforçar desigualdades e invisibilizar grupos que historicamente já enfrentam maiores desafios emocionais.
Olhar Atento para as Diferenças
A escola brasileira é diversa — composta por alunos de diferentes culturas, raças, gêneros, religiões, condições socioeconômicas e com variadas formas de aprender. Crianças e adolescentes com deficiência, transtornos de aprendizagem, condições crônicas de saúde ou situações de vulnerabilidade social, por exemplo, podem demandar acolhimento e suporte diferenciados. Para esses estudantes, pequenas barreiras podem se transformar em grandes obstáculos à participação, ao pertencimento e ao desenvolvimento pleno.
Nesse contexto, o bem-estar escolar só é possível se as ações considerarem as singularidades de cada um. Isso significa, por exemplo, oferecer alternativas de comunicação para estudantes com deficiência auditiva ou intelectual, adaptar materiais didáticos, respeitar diferentes formas de expressão e garantir que todos tenham voz e vez nos espaços de escuta.
Práticas Inclusivas no Cotidiano
Existem diversas estratégias para tornar a promoção do bem-estar mais inclusiva. Uma delas é realizar rodas de conversa temáticas, abordando questões como preconceito, empatia e respeito às diferenças, proporcionando um ambiente seguro para o diálogo aberto. Outra iniciativa importante é criar grupos de apoio entre pares — especialmente para estudantes LGBTQIA+, migrantes ou com deficiência —, onde possam compartilhar experiências e construir redes de suporte mútuo.
Também é fundamental envolver as famílias no processo, oferecendo orientação, promovendo momentos de troca e trabalhando para fortalecer o vínculo escola-comunidade. A presença de profissionais como psicólogos, assistentes sociais e mediadores culturais pode ser determinante para identificar demandas específicas e articular respostas integradas.
Políticas e Cultura Institucional
A inclusão vai além de ações pontuais. Requer políticas institucionais claras contra a discriminação e o bullying, bem como a garantia de formação continuada para professores e funcionários sobre diversidade, direitos humanos e saúde mental. Projetos pedagógicos devem contemplar temas como respeito às diferenças, cidadania e convivência democrática, preparando os alunos para viver e transformar a sociedade em que estão inseridos.
Acolher para Transformar
Ao construir uma escola inclusiva e plural, abrimos espaço para que todos possam desenvolver suas potencialidades de forma integral, com segurança para serem quem são. Cuidar do bem-estar, portanto, não é tratar todos de forma igual, mas garantir equidade, reconhecimento e pertencimento para cada pessoa, em sua individualidade.
Assim, a promoção da saúde mental e do bem-estar se consolida como caminho para uma educação verdadeiramente democrática, acolhedora e transformadora.
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