Como referenciar este texto: ‘Jogos na educação básica: Estratégias para aprender brincando’. Rodrigo Terra. Publicado em: 25/07/2025. Link da postagem: https://www.makerzine.com.br/educacao/jogos-na-educacao-basica-estrategias-para-aprender-brincando/.
Conteúdos que você verá nesta postagem
Brincar é uma das primeiras formas de expressão e aprendizagem da criança. Desde cedo, o jogo ocupa um lugar central no desenvolvimento cognitivo, social e emocional, estimulando a curiosidade, a experimentação e a resolução de problemas de forma espontânea e prazerosa. Com o avanço das discussões sobre metodologias ativas e ensino centrado no estudante, os jogos têm ganhado espaço como uma poderosa ferramenta pedagógica também nos anos iniciais e finais da educação básica.
Mais do que simples entretenimento, os jogos — sejam analógicos, digitais ou inventados pelas próprias crianças — podem ser estruturados para apoiar objetivos de ensino e aprendizagem. Quando integrados ao planejamento escolar de maneira intencional, eles promovem o engajamento, a motivação e a aprendizagem significativa, ajudando a consolidar conteúdos curriculares e a desenvolver competências previstas pela BNCC, como pensamento crítico, cooperação, criatividade e autonomia.
Nesta postagem, vamos explorar o potencial dos jogos na educação básica, apresentar tipos de jogos que podem ser usados em sala de aula, relacioná-los com o currículo e sugerir estratégias práticas para educadores que desejam transformar o brincar em uma experiência de aprendizagem rica e estruturada.
A importância do jogo no processo de aprendizagem
O jogo, enquanto manifestação cultural e forma de expressão, tem sido amplamente reconhecido por teóricos da educação como um elemento essencial no desenvolvimento humano. Muito antes de sua aplicação formal na escola, ele já fazia parte da vida das crianças como linguagem natural de descoberta, interação e construção de sentidos. Levar o jogo para a sala de aula, portanto, não é apenas uma estratégia pedagógica inovadora — é uma forma de respeitar os modos pelos quais as crianças aprendem de forma mais significativa.
Do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo, Jean Piaget, um dos principais nomes da psicologia da educação, identificou que o jogo é parte fundamental dos estágios de desenvolvimento da inteligência. Para Piaget, brincar permite à criança assimilar o mundo ao seu redor e construir estruturas mentais cada vez mais complexas, passando do pensamento concreto ao abstrato.
Lev Vygotsky, por sua vez, destacou o papel social do jogo. Em sua teoria sociocultural, ele argumenta que o brincar possibilita o desenvolvimento de funções psicológicas superiores, como atenção, memória voluntária e planejamento, especialmente quando a criança interage com outras pessoas em um ambiente mediado por regras e significados compartilhados. O jogo, portanto, é também espaço de mediação cultural e construção coletiva de conhecimento.
Além disso, autores contemporâneos como Seymour Papert, criador da teoria do construcionismo e precursor da aprendizagem baseada em tecnologia, reforçam a ideia de que aprender é mais eficaz quando se faz algo significativo e envolvente. Papert acreditava que as crianças aprendem melhor quando estão ativamente engajadas em projetos que façam sentido para elas — e os jogos cumprem exatamente esse papel: despertam envolvimento, contexto e propósito.
Do ponto de vista emocional, os jogos também contribuem para a formação de um ambiente de aprendizagem mais leve, reduzindo a ansiedade relacionada ao erro e promovendo o prazer em aprender. Em vez de punir o erro, o jogo o transforma em parte do processo, incentivando o recomeço, a experimentação e a persistência. Essa abordagem se alinha aos princípios da mentalidade de crescimento (growth mindset), que valoriza o esforço contínuo e a superação de desafios como elementos essenciais da aprendizagem.
Resumidamente, os jogos atuam em diversas dimensões do desenvolvimento:
Cognitiva: desenvolvem atenção, memória, raciocínio lógico e criatividade.
Social: promovem cooperação, empatia, respeito às regras e convivência.
Emocional: fortalecem a autoconfiança, a autorregulação e o controle da frustração.
Motivacional: despertam o interesse e o desejo genuíno de aprender.
Quando inseridos de forma planejada e coerente com os objetivos pedagógicos, os jogos se tornam muito mais do que um recurso adicional: eles se transformam em potentes mediadores da aprendizagem, ampliando as possibilidades da escola como espaço de construção de saberes, de forma divertida, ativa e transformadora.
Tipos de jogos utilizados na educação
Os jogos educativos podem assumir diferentes formas e formatos, cada um com suas especificidades, linguagens e possibilidades pedagógicas. Para que sejam efetivos no processo de ensino-aprendizagem, é importante que os educadores compreendam as categorias de jogos disponíveis e saibam como relacioná-las aos objetivos curriculares e ao perfil dos estudantes.
A seguir, apresentamos uma classificação prática, dividida em três grandes grupos:
Jogos analógicos (ou físicos)
São jogos que não dependem de recursos tecnológicos e que envolvem materiais concretos como cartas, tabuleiros, peças, dados, papel e lápis. Estimulam a interação direta entre os estudantes, desenvolvendo habilidades motoras, cognitivas e sociais.
Exemplos:
Jogos de tabuleiro didáticos: como dominós matemáticos, trilhas de vocabulário, jogos da memória com conteúdos curriculares.
Jogos de cartas: que trabalham sinônimos e antônimos, fórmulas, datas históricas, animais e ecossistemas etc.
RPGs educacionais (Role-Playing Games): jogos em que os estudantes assumem personagens históricos, científicos ou literários, vivenciando contextos simulados que incentivam empatia e pensamento crítico.
Atividades gamificadas: como bingos temáticos, desafios em grupo, brincadeiras adaptadas com regras claras e objetivos de aprendizagem.
Vantagens:
Facilidade de uso em ambientes com pouca infraestrutura tecnológica.
Estímulo à comunicação face a face e à convivência escolar.
Baixo custo e possibilidade de produção artesanal pelos próprios alunos.
Jogos digitais
Envolvem o uso de computadores, tablets ou celulares e geralmente são acessados via aplicativos, sites ou plataformas de aprendizagem. São atrativos para os estudantes por dialogarem com o universo da cultura digital, tão presente em suas vidas.
Exemplos:
Kahoot! e Wordwall: plataformas de quizzes e desafios interativos que promovem revisão de conteúdos.
Jogos de alfabetização e raciocínio lógico: como os disponíveis no Portal do MEC, no Mundo da Criança ou no site Escola Games.
Simuladores e jogos de estratégia: que reproduzem ambientes históricos, científicos ou ecológicos (como Mission US ou Stop Disasters!).
Jogos de programação com blocos: como o Scratch, em que os alunos aprendem lógica de programação criando jogos autorais.
Vantagens:
Permitem feedback imediato ao aluno.
Podem ser personalizados conforme o nível de aprendizagem.
Facilitam o registro e a análise de dados sobre o desempenho dos estudantes.
Jogos criados pelos próprios estudantes
Mais do que usar jogos prontos, uma abordagem altamente eficaz é envolver os estudantes na criação dos próprios jogos. Essa prática estimula o protagonismo, a criatividade e a integração de saberes, além de proporcionar uma avaliação formativa do conteúdo estudado.
Exemplos:
Criação de um jogo de tabuleiro sobre as fases da lua ou eventos históricos.
Desenvolvimento de um quiz digital em grupo sobre verbos, frações ou ecossistemas.
Produção de jogos físicos para alunos de turmas mais novas (ensino entre pares).
Design de jogos no Scratch, com roteiros narrativos e desafios alinhados a temas curriculares.
Vantagens:
Favorece o trabalho por projetos e a interdisciplinaridade.
Incentiva a pesquisa, a colaboração e a organização do pensamento.
Proporciona um aprendizado mais profundo, pois o aluno precisa compreender o conteúdo para transformá-lo em desafio lúdico.
Ao combinar esses diferentes tipos de jogos em suas práticas pedagógicas, o educador consegue diversificar as estratégias de ensino, promover maior engajamento da turma e atender diferentes estilos de aprendizagem. O importante é lembrar que, seja físico ou digital, o jogo deve sempre estar vinculado a objetivos pedagógicos claros, e não apenas como passatempo ou recompensa.
Jogos e as competências da BNCC
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento orientador do currículo escolar brasileiro, estabelece um conjunto de dez competências gerais que devem ser desenvolvidas ao longo da Educação Básica. Essas competências vão além da simples memorização de conteúdos: elas buscam formar sujeitos críticos, criativos, colaborativos, éticos e capazes de atuar no mundo contemporâneo com autonomia e responsabilidade.
Nesse contexto, os jogos — quando utilizados de forma planejada e alinhada aos objetivos de aprendizagem — revelam-se como poderosos instrumentos para o desenvolvimento integral dos estudantes, promovendo experiências que favorecem tanto os saberes acadêmicos quanto as habilidades socioemocionais. A seguir, analisamos como o uso de jogos em sala de aula pode dialogar diretamente com as competências da BNCC.
1. Conhecimento
“Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade.”
Jogos são oportunidades para aplicar conceitos de forma contextualizada, especialmente quando exigem que o estudante use o conteúdo aprendido para vencer desafios, resolver problemas ou tomar decisões estratégicas. Um jogo de perguntas e respostas sobre geografia, por exemplo, não apenas revisa conteúdos, mas os reinsere em uma dinâmica interativa que favorece a fixação e a compreensão.
2. Pensamento científico, crítico e criativo
“Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade.”
Jogos favorecem ambientes de experimentação e descoberta, onde errar faz parte do processo. Muitos jogos exigem hipóteses, testes, revisão de estratégias e raciocínio lógico. Em jogos de simulação ou RPG, por exemplo, os estudantes precisam pensar criticamente sobre as consequências de suas ações, além de imaginar soluções inovadoras para os problemas apresentados.
3. Repertório cultural
“Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais.”
Jogos têm o potencial de ampliar o repertório cultural dos estudantes, especialmente quando envolvem temas históricos, literários, artísticos e mitológicos. Jogos ambientados em civilizações antigas, por exemplo, podem introduzir elementos da arquitetura, religião, língua e filosofia. Já jogos criados pelos próprios estudantes podem incorporar músicas, ilustrações e narrativas autorais, promovendo a expressão estética e a valorização da cultura.
4. Comunicação
“Utilizar diferentes linguagens — verbal, corporal, visual, sonora e digital — para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos.”
O ato de jogar é, por natureza, comunicativo. Explicar regras, argumentar decisões, narrar histórias, planejar em equipe — tudo isso envolve comunicação em múltiplas linguagens. Além disso, jogos digitais muitas vezes exigem o uso de ferramentas tecnológicas e multimídia, o que amplia as formas de expressão e leitura do mundo.
5. Cultura digital
“Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de forma crítica, significativa e ética.”
O uso de jogos digitais em sala de aula é uma porta de entrada poderosa para o letramento digital. Desde simples jogos online até a criação de jogos com programação em blocos, como no Scratch, os estudantes não apenas consomem, mas também produzem conteúdos digitais. Isso os posiciona como protagonistas e criadores no universo digital — uma competência essencial no século XXI.
6. Trabalho e projeto de vida
“Valorizar a diversidade de saberes e vivências e o trabalho coletivo, com base em princípios de colaboração, cooperação e empreendedorismo.”
Jogos colaborativos exigem que os alunos organizem tarefas, estabeleçam metas, negociem papéis e construam soluções conjuntas. Essas práticas simulam situações do mundo do trabalho e da vida em sociedade. Além disso, a criação de jogos como projeto interdisciplinar pode envolver etapas de pesquisa, design, prototipagem e apresentação, estimulando o pensamento projetual e a responsabilidade com o próprio percurso de aprendizagem.
7. Argumentação
“Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns.”
Em jogos de tomada de decisão — como simulações de debates, RPGs ou dinâmicas de dilemas morais — os estudantes precisam defender ideias, escutar o outro e ajustar suas opiniões com base em evidências. Isso fortalece o pensamento argumentativo e o respeito à diversidade de pontos de vista.
8. Autoconhecimento e autocuidado
“Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional.”
Jogos que envolvem cooperação, empatia e desafios controlados ajudam os estudantes a reconhecerem seus limites, lidar com frustrações e desenvolver resiliência. A experiência lúdica proporciona um espaço seguro para explorar emoções, testar habilidades e celebrar conquistas — o que favorece o autoconhecimento e o bem-estar.
9. Empatia e cooperação
“Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro.”
Jogos coletivos são práticas sociais que envolvem respeito às regras, ao outro e ao tempo do grupo. Jogar ensina a esperar a vez, a ganhar e perder com equilíbrio, a colaborar para objetivos comuns e a resolver conflitos por meio do diálogo — habilidades fundamentais para a vida em sociedade.
10. Responsabilidade e cidadania
“Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.”
Jogos bem escolhidos podem encenar situações de dilema ético, justiça social, preservação ambiental ou inclusão. Essas experiências permitem que os alunos reflitam sobre seus valores, façam escolhas conscientes e compreendam as consequências de suas ações. Além disso, jogos inclusivos, que respeitam a diversidade de habilidades dos alunos, fortalecem a ideia de pertencimento e equidade.
Integração transversal no currículo
O uso de jogos não precisa (nem deve) ficar restrito a uma disciplina específica. Pelo contrário, seu potencial interdisciplinar permite que sejam usados em diferentes áreas do conhecimento: um jogo de tabuleiro pode envolver matemática e ciências; um RPG pode integrar história, língua portuguesa e artes; um quiz digital pode ser usado tanto para revisar conteúdos quanto para estimular pesquisas.
Ao trabalhar com jogos, o professor não está apenas tornando a aula mais divertida — ele está desenvolvendo competências essenciais, criando experiências de aprendizagem significativas e preparando os estudantes para os desafios do presente e do futuro.
Benefícios observados com o uso de jogos em sala de aula
A introdução de jogos na rotina escolar não é apenas uma estratégia para “tornar a aula mais divertida” — ela representa uma transformação profunda na forma como se ensina e aprende. Diversas pesquisas na área de educação e neurociência da aprendizagem apontam que o jogo estimula múltiplas áreas do cérebro, contribuindo para a consolidação de memórias, o desenvolvimento de habilidades cognitivas e o engajamento ativo dos estudantes.
A seguir, listamos e explicamos os principais benefícios observados quando os jogos são utilizados com intencionalidade pedagógica na educação básica:
Aumento do engajamento e da motivação dos alunos
O jogo ativa o interesse intrínseco. Isso significa que o estudante participa não apenas porque precisa, mas porque quer. Essa motivação é essencial para criar uma relação positiva com a aprendizagem, especialmente entre alunos que se sentem desmotivados com métodos tradicionais. Quando um conteúdo é apresentado por meio de um desafio lúdico, o aluno tende a se envolver com mais atenção, energia e persistência.
Aprendizagem significativa e contextualizada
Jogos permitem que o estudante aplique conhecimentos em situações práticas, mesmo que simuladas. Isso faz com que o conteúdo saia do campo abstrato e passe a ter sentido e propósito. Resolver um problema matemático para atravessar uma ponte no jogo ou conhecer elementos da biodiversidade para vencer um desafio de ciências são formas de tornar o aprendizado mais concreto e duradouro.
Desenvolvimento de habilidades cognitivas e metacognitivas
Jogos estimulam processos como:
Memória (lembrar regras, estratégias e sequências);
Atenção (manter o foco nas jogadas e nos outros participantes);
Raciocínio lógico e tomada de decisão (analisar possibilidades, prever consequências, planejar movimentos);
Resolução de problemas (identificar obstáculos e pensar em soluções);
Metacognição (avaliar a própria performance e repensar estratégias).
Essas habilidades são transferíveis para outras áreas da vida escolar e pessoal.
Estímulo à criatividade e à imaginação
Jogos — especialmente aqueles que envolvem narrativas, construção de cenários ou resolução de enigmas — são ótimos para desenvolver a criatividade. Ao imaginar novos mundos, criar personagens ou pensar em maneiras alternativas de superar desafios, os estudantes exercitam a originalidade, o pensamento fora da caixa e a capacidade de propor soluções inovadoras.
Melhoria das relações interpessoais e do trabalho em equipe
Jogos colaborativos ou que envolvem múltiplos participantes favorecem:
A empatia (colocar-se no lugar do outro);
A comunicação (ouvir e ser ouvido);
O respeito às regras e ao outro;
A cooperação para alcançar objetivos comuns.
Em tempos de crescente individualismo e competição, os jogos são uma forma potente de promover o diálogo, o apoio mútuo e a construção coletiva de soluções.
Redução da ansiedade e valorização do erro como parte do processo
Diferentemente das avaliações tradicionais, o ambiente do jogo costuma ser percebido como seguro para errar. O erro é parte do caminho, e não uma punição. Isso diminui a ansiedade escolar, especialmente entre estudantes que têm medo de falhar ou se expressar. Além disso, promove uma mentalidade de crescimento, em que o foco está no progresso e não apenas no acerto.
Inclusão de diferentes estilos de aprendizagem
Jogos permitem o uso de múltiplas linguagens: visual, auditiva, corporal, verbal e digital. Dessa forma, alunos com diferentes estilos e ritmos de aprendizagem podem se beneficiar. O estudante que tem mais facilidade com movimento pode se destacar em dinâmicas físicas; o que prefere imagens pode se engajar mais com jogos visuais; e aquele que se expressa melhor verbalmente pode liderar em jogos de narrativa.
Avaliação contínua e formativa
Jogar é também uma forma eficaz de observar o desempenho dos alunos de forma dinâmica. O professor pode analisar como os estudantes aplicam os conteúdos, como raciocinam, se articulam em grupo, como tomam decisões. Essas observações podem ser usadas para fornecer feedbacks individualizados e ajustar as estratégias pedagógicas — ou seja, os jogos também servem como instrumento avaliativo.
Aumento da autonomia e do protagonismo estudantil
Ao jogar, os alunos são desafiados a tomar decisões, lidar com consequências, assumir responsabilidades e refletir sobre seus próprios caminhos. Em jogos mais abertos, em que o estudante pode escolher estratégias, personagens ou soluções, há um fortalecimento de sua identidade e de sua capacidade de liderar o próprio processo de aprendizagem.
Promoção da interdisciplinaridade
Muitos jogos trabalham conteúdos de forma integrada, exigindo o uso simultâneo de conhecimentos de matemática, língua portuguesa, ciências, história, geografia, entre outros. Essa abordagem rompe com a fragmentação do saber e favorece uma visão mais ampla e conectada do mundo, contribuindo para a formação de estudantes mais críticos e preparados para lidar com a complexidade dos desafios contemporâneos.
Cuidados e desafios na implementação
Apesar de todos os benefícios associados ao uso de jogos na educação básica, sua adoção não está isenta de desafios. Incorporar o jogo como ferramenta pedagógica exige do professor uma mudança de postura, planejamento cuidadoso e uma compreensão clara dos objetivos de aprendizagem. O sucesso da prática depende menos do jogo em si e mais da forma como ele é mediado, adaptado e contextualizado.
A seguir, discutimos os principais cuidados e desafios que precisam ser considerados por educadores e escolas ao implementar jogos em sala de aula — e, quando possível, sugerimos caminhos para superá-los.
Evitar o uso de jogos sem intencionalidade pedagógica
Um dos erros mais comuns é utilizar jogos apenas como “momento de descontração” ou “recompensa” sem ligação com o conteúdo curricular. Embora o aspecto lúdico seja importante, o jogo precisa ter uma função pedagógica clara: introduzir, reforçar, aplicar ou avaliar um conceito, habilidade ou competência.
Dica: Sempre defina previamente o objetivo de aprendizagem associado ao jogo e comunique isso aos alunos.
Planejamento e alinhamento com o currículo
Para que os jogos contribuam efetivamente para o aprendizado, eles devem estar integrados ao planejamento escolar e aos objetivos da BNCC. Isso exige pesquisa, curadoria e adaptação por parte do professor.
Dica: Ao selecionar ou criar um jogo, pergunte-se:
Qual conteúdo ou habilidade ele promove?
Que competências da BNCC estão envolvidas?
Qual o tempo necessário para aplicá-lo?
Como será feita a mediação durante e após o jogo?
Formação docente e segurança na mediação
Muitos professores sentem-se inseguros ao utilizar jogos por falta de formação ou familiaridade com metodologias lúdicas. Outros ainda veem o jogo como algo “infantilizado” ou “superficial”.
Dica: É fundamental investir na formação docente contínua para que o educador se sinta preparado para selecionar, adaptar, criar e conduzir jogos de forma crítica e criativa. Trocas entre pares e comunidades de prática também são caminhos valiosos.
Gestão do tempo em sala de aula
Jogos podem exigir mais tempo do que aulas expositivas tradicionais, principalmente se envolverem elaboração, explicação de regras, dinâmica em grupo e debate final. Isso pode ser um desafio em calendários escolares apertados.
Dica: Planeje o jogo como parte de uma sequência didática. Priorize jogos curtos para revisões e jogos mais complexos para momentos de aprofundamento ou avaliação formativa.
Adaptação à faixa etária e ao perfil da turma
Um jogo mal ajustado à maturidade dos alunos pode gerar frustração, desinteresse ou confusão. O nível de dificuldade, o tipo de desafio e a linguagem usada devem estar em sintonia com a etapa de ensino e com a diversidade da turma.
Dica: Teste o jogo antes com pequenos grupos. Observe o tempo de atenção, o engajamento e as reações emocionais dos estudantes.
Inclusão e acessibilidade
Nem todos os alunos se sentem confortáveis com jogos competitivos ou com jogos que exigem determinadas habilidades motoras, cognitivas ou digitais. É essencial que os jogos sejam inclusivos, adaptáveis e acessíveis para todos os estudantes.
Dica: Ofereça papéis diferentes em jogos de equipe, crie regras que estimulem a colaboração e diversifique os tipos de jogos ao longo do ano.
Estrutura física e recursos disponíveis
Alguns jogos exigem espaço físico para movimentação, dispositivos digitais ou materiais específicos. Nem todas as escolas contam com esses recursos, especialmente em contextos de vulnerabilidade.
Dica: Prefira jogos que possam ser realizados com materiais simples e reutilizáveis, como papel, caneta, tampinhas, dados ou mesmo recursos digitais gratuitos. Aproveite os espaços da escola de forma criativa: corredores, pátios, quadras, etc.
Gerenciamento da turma durante a atividade
Jogos em grupo podem gerar agitação, conflitos e dispersão se não forem bem mediados. O professor precisa atuar como facilitador, observador e regulador do clima da atividade.
Dica: Estabeleça regras claras desde o início. Defina os papéis (ex: cronometrista, contador de pontos, mediador), incentive o respeito mútuo e encerre sempre com uma rodada de reflexão ou devolutiva.
Avaliação da aprendizagem em contextos lúdicos
Avaliar o que foi aprendido durante um jogo pode ser mais complexo do que em uma prova escrita, pois envolve observações, interações e registros menos formais.
Dica: Use rubricas de observação, portfólios, autoavaliações e discussões pós-jogo como instrumentos de avaliação. Estimule os alunos a refletirem sobre o que aprenderam com a experiência.
Resistência institucional ou cultural
Em algumas escolas, ainda há resistência à ideia de que se pode “aprender brincando”. Isso pode partir de gestores, colegas ou famílias, que veem o jogo como perda de tempo ou distração.
Dica: Envolva a comunidade escolar no processo. Apresente os objetivos pedagógicos, compartilhe evidências de aprendizagem e mostre os resultados. Documentar as atividades com fotos, vídeos e relatos pode ajudar a legitimar a prática.
Superando os desafios com criatividade e intencionalidade
Apesar dos obstáculos, os desafios não devem ser vistos como barreiras intransponíveis. Pelo contrário: são oportunidades para refletir sobre a prática docente, experimentar novas abordagens e buscar soluções coletivas. Ao equilibrar ludicidade e intencionalidade pedagógica, o professor transforma o jogo em uma experiência rica, estruturada e transformadora.
Exemplos de ferramentas e plataformas gratuitas
Hoje, há uma ampla variedade de recursos digitais gratuitos que permitem integrar jogos ao planejamento pedagógico de maneira acessível e eficaz, seja no ensino presencial, remoto ou híbrido. Algumas dessas plataformas foram desenvolvidas especificamente para fins educacionais, enquanto outras são ferramentas abertas que podem ser adaptadas para atividades lúdicas.
A seguir, listamos algumas das mais relevantes, organizadas por tipo de uso, com explicações práticas sobre como cada uma pode ser explorada na sala de aula:
Kahoot!
https://kahoot.com
O Kahoot! é uma plataforma de criação de quizzes interativos, muito popular entre professores do mundo todo. A proposta é simples: o educador cria perguntas com múltipla escolha, que são projetadas em tela, e os alunos respondem em tempo real usando seus celulares, tablets ou computadores.
Como usar na escola:
Avaliação formativa de conteúdos (antes ou depois das aulas);
Reforço lúdico de conceitos em português, matemática, ciências e outras áreas;
Dinâmicas rápidas de revisão, de forma divertida e competitiva.
Diferenciais:
Gratuito para uso básico;
Interface gamificada com ranking e pontuação;
Pode ser jogado individualmente ou em grupo.
Wordwall
https://wordwall.net
O Wordwall permite criar uma variedade de atividades gamificadas a partir de um mesmo conjunto de dados. Com poucos cliques, é possível gerar jogos como: roleta de perguntas, palavras cruzadas, caça-palavras, jogo da memória, entre outros.
Como usar na escola:
Trabalhar ortografia e vocabulário com caça-palavras e anagramas;
Explorar classificações científicas com jogos de associação;
Criar desafios interativos para revisar conteúdos.
Diferenciais:
Facilidade de criação;
Permite impressão dos jogos para uso offline;
Atividades adaptáveis para diferentes níveis de ensino.
Scratch
https://scratch.mit.edu
Criado pelo MIT, o Scratch é uma plataforma de programação com blocos voltada para crianças e jovens. Com ela, os alunos podem criar seus próprios jogos, histórias interativas, animações e simulações, mesmo sem saber código.
Como usar na escola:
Desenvolver jogos sobre temas de ciências, história ou meio ambiente;
Criar animações para explicar conceitos abstratos;
Trabalhar lógica e pensamento computacional desde o ensino fundamental.
Diferenciais:
Interface intuitiva e 100% gratuita;
Forte incentivo à criatividade e autoria;
Comunidade ativa com milhares de projetos para remixar e estudar.
Escola Games
https://www.escolagames.com.br
O Escola Games reúne uma coleção de jogos educativos voltados para crianças do ensino infantil e fundamental. Os jogos são classificados por área do conhecimento e trazem desafios compatíveis com a faixa etária.
Como usar na escola:
Atividades de alfabetização e letramento;
Jogos para reforçar conteúdos básicos de matemática e ciências;
Uso em cantinhos pedagógicos ou estações de rotação.
Diferenciais:
Interface amigável e atrativa;
Navegação intuitiva, ideal para turmas de alfabetização;
Não requer cadastro para acessar os jogos.
Tinkercad
https://www.tinkercad.com
Embora voltado para modelagem 3D e eletrônica, o Tinkercad pode ser usado em projetos de criação de jogos físicos, como tabuleiros, peças ou até componentes eletrônicos simples com Arduino. Ele permite que os alunos modelem objetos em 3D diretamente no navegador.
Como usar na escola:
Projetar peças para jogos analógicos (dados, personagens, tabuleiros);
Trabalhos de geometria e espacialidade;
Projetos maker e STEAM.
Diferenciais:
Ideal para escolas com laboratórios maker;
Interface intuitiva, mesmo para iniciantes;
Recursos gratuitos para educadores e integração com Google Sala de Aula.
Plickers
https://www.plickers.com
O Plickers permite realizar avaliações formativas gamificadas sem que os alunos usem dispositivos. Cada estudante recebe um cartão com um QR code, que é lido pela câmera do professor via aplicativo, capturando as respostas em tempo real.
Como usar na escola:
Revisar conteúdos antes de provas;
Avaliar a compreensão de temas abordados na aula;
Estimular a participação de todos de forma interativa.
Diferenciais:
Ideal para escolas com poucos recursos tecnológicos;
Promove inclusão e participação equitativa;
Permite coleta de dados para diagnóstico de aprendizagem.
Dicas para escolher e aplicar essas ferramentas
Defina o objetivo pedagógico antes de escolher o recurso.
Avalie o tempo disponível, o nível de proficiência digital da turma e os equipamentos acessíveis.
Prefira plataformas em português ou com navegação intuitiva, principalmente para os anos iniciais.
Teste previamente o jogo ou ferramenta, garantindo que não haja surpresas durante a aula.
Após a atividade, proponha uma discussão reflexiva: o que aprenderam? Que dificuldades encontraram? Como poderiam melhorar a experiência?
Sugestão de atividades gamificadas
A gamificação, diferentemente do uso de jogos prontos, consiste em aplicar elementos dos jogos — como desafios, fases, pontuação, ranking, narrativas e recompensas — em contextos educacionais, sem necessariamente utilizar um jogo formal. É uma estratégia que transforma atividades escolares em experiências motivadoras, com maior engajamento e foco nos processos de aprendizagem.
A seguir, apresentamos quatro propostas de atividades gamificadas que podem ser aplicadas em diferentes disciplinas e níveis da educação básica. Todas podem ser adaptadas conforme a realidade da turma e os recursos disponíveis.
Caça ao Tesouro do Conhecimento
Objetivo pedagógico: Revisar conteúdos estudados em sala de aula de maneira divertida, promovendo o trabalho em equipe, o raciocínio lógico e a memória.
Etapa recomendada: Anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano), podendo ser adaptado para os anos iniciais com mediação mais próxima.
Materiais necessários:
Envelopes ou pistas impressas;
Um espaço físico amplo (sala, pátio ou corredores);
Prêmios simbólicos (selos, certificados, estrelas de papel).
Como aplicar:
O professor cria uma narrativa simples (ex: “O tesouro perdido do Egito Antigo”) e elabora pistas relacionadas ao conteúdo que deseja revisar.
Cada pista deve conter uma pergunta ou desafio que, se resolvido, leva à próxima etapa.
Os grupos percorrem o espaço físico resolvendo os enigmas até encontrarem o “tesouro”.
Ao final, é feita uma roda de conversa sobre o que foi aprendido.
Gamificação presente: Missão, narrativa, fases, cooperação, feedback imediato.
Competências da BNCC: pensamento crítico, cooperação, conhecimento, repertório cultural.
Quiz Interativo com Ranking
Objetivo pedagógico: Avaliar a compreensão dos alunos de maneira leve e participativa, com feedback em tempo real.
Etapa recomendada: Do 3º ano do Ensino Fundamental até o Ensino Médio.
Ferramenta recomendada: Kahoot! ou Plickers, mas também pode ser feito no papel.
Como aplicar:
O professor prepara de 10 a 15 perguntas de múltipla escolha com base em um conteúdo trabalhado recentemente.
Os alunos participam individualmente ou em duplas, respondendo em tempo real.
O sistema gera um ranking automático, incentivando o engajamento sem constrangimentos.
Ao final, as respostas são comentadas coletivamente, reforçando os pontos principais.
Variação offline: Escreva as perguntas em cartazes e distribua cartões de resposta para votação.
Gamificação presente: Pontuação, competição saudável, tempo de resposta, feedback em tempo real.
Competências da BNCC: comunicação, cultura digital, autoconhecimento, responsabilidade.
Jogo de RPG Historiador por um Dia
Objetivo pedagógico: Compreender os diferentes papéis históricos, estimular a empatia e desenvolver habilidades de pesquisa e argumentação.
Etapa recomendada: Anos finais do Ensino Fundamental.
Materiais necessários:
Fichas de personagens históricos (com nome, contexto, objetivos);
Espaço para encenação ou debate.
Como aplicar:
Cada grupo de alunos recebe uma ficha com um personagem histórico (ex: um camponês medieval, uma escravizada no Brasil colonial, um senador romano).
Os alunos devem pesquisar sobre o contexto daquele personagem, seus valores, dificuldades e motivações.
Em aula, simulam um conselho ou debate entre os personagens (ex: “Como lidar com uma invasão?”, “Devemos abolir a escravidão?”).
O professor orienta o debate e propõe reflexões após a atividade.
Gamificação presente: Personagem, narrativa, regras, imersão, colaboração.
Competências da BNCC: argumentação, repertório cultural, empatia, comunicação.
Desafio dos Cientistas em Ação
Objetivo pedagógico: Promover o pensamento investigativo em ciências naturais por meio de desafios resolvidos em grupo.
Etapa recomendada: 4º ao 7º ano do Ensino Fundamental.
Materiais necessários:
Cartões com problemas científicos simples (ex: “Como separar sal da água?”, “Como testar a presença de oxigênio?”);
Materiais de laboratório simples ou de uso cotidiano (copos, filtros, bicarbonato, vinagre, água, etc.).
Como aplicar:
Os grupos recebem um desafio de investigação e os materiais necessários.
Devem formular uma hipótese, planejar uma experiência prática, executar o teste e registrar os resultados.
Ao final, cada grupo apresenta suas conclusões à turma.
Gamificação presente: Desafio, tempo limitado, papel de personagem (cientista), solução de problemas, validação do grupo.
Competências da BNCC: pensamento científico, criatividade, autonomia, colaboração.
Dicas para aplicar atividades gamificadas com sucesso
Defina regras claras desde o início, para evitar confusão ou frustração.
Valorize mais o processo do que o resultado final.
Estimule a reflexão pós-jogo, conectando a vivência com os objetivos de aprendizagem.
Use instrumentos de avaliação formativa, como rubricas, autoavaliações ou portfólios.
Adapte o nível de complexidade dos jogos ao perfil da turma.
Essas atividades mostram que não é preciso ter grandes estruturas ou tecnologias para gamificar a aprendizagem. Com criatividade, planejamento e intencionalidade, é possível transformar conteúdos escolares em experiências envolventes, acessíveis e alinhadas com as competências da educação contemporânea.
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