Como referenciar este texto: Educação Baseada em Soluções para Problemas Reais. Rodrigo Terra. Publicado em: 04/11/2025. Link da postagem: https://www.makerzine.com.br/educacao/educacao-baseada-em-solucoes-para-problemas-reais/.
A EBSPR se diferencia por inverter a lógica da educação tradicional. Em vez de partir da teoria para a prática, ela parte da realidade: propõe investigar e propor soluções para problemas autênticos, locais ou globais, promovendo conexões com o mundo fora da escola.
Esse modelo se alinha diretamente às competências gerais da BNCC, como pensamento crítico, trabalho colaborativo, argumentação e responsabilidade cidadã, além de convergir com metodologias como Aprendizagem Baseada em Projetos (PBL) e Design Thinking.
Muito mais que uma tendência, a Educação Baseada em Soluções para Problemas Reais é um convite à reconfiguração do papel docente: de transmissor de conteúdo a facilitador de jornadas investigativas significativas.
Este artigo explora os princípios, benefícios e caminhos práticos para implementar esse modelo em sala de aula, inspirando educadores a transformar suas práticas pedagógicas com intencionalidade e propósito.
O que caracteriza a Educação Baseada em Soluções?
A Educação Baseada em Soluções para Problemas Reais (EBSPR) se distingue por adotar desafios autênticos como elementos centrais do processo de ensino-aprendizagem. Ao invés de estudar conteúdos de forma fragmentada e descontextualizada, nessa abordagem os estudantes exploram situações reais, como sustentabilidade ambiental, mobilidade urbana ou desigualdades sociais, propondo soluções viáveis em um contexto interdisciplinar. Essa conexão entre conhecimento e realidade impulsiona o engajamento, pois os alunos visualizam a aplicabilidade do que aprendem no mundo ao seu redor.
Um exemplo prático da EBSPR em sala é o desenvolvimento de um projeto para melhorar a coleta seletiva no bairro escolar. Os estudantes podem pesquisar legislações, entrevistar moradores, calcular os impactos ambientais e econômicos, e por fim criar campanhas de conscientização com base em dados obtidos. Nesse processo, competências de áreas como matemática, ciências, geografia, linguagens e tecnologia são naturalmente integradas e aplicadas.
Além disso, ao buscar soluções, os alunos são incentivados a trabalhar colaborativamente, tomar decisões em grupo e assumir papéis diversos, fortalecendo seu protagonismo e senso de pertencimento. O papel do professor, portanto, é o de um mediador que orienta o processo investigativo, oferece ferramentas metodológicas (como mapas mentais, entrevistas, simulações e prototipação) e estimula o pensamento crítico ao longo do percurso.
Para implementar essa abordagem, é essencial que o educador esteja aberto à flexibilidade curricular, valorize os saberes locais e promova uma cultura de escuta ativa e experimentação. A EBSPR não é apenas uma metodologia, mas uma filosofia de ensino centrada na formação de cidadãos capazes de pensar e agir frente aos desafios do século XXI.
Vínculo com a BNCC e as metodologias ativas
A Educação Baseada em Soluções para Problemas Reais encontra respaldo direto na BNCC ao estimular competências como empatia, responsabilidade e autonomia. Essas habilidades se manifestam quando os alunos enfrentam desafios concretos, desenvolvendo soluções que impactam suas comunidades. Por exemplo, ao propor a criação de um sistema de captação de água da chuva para a escola, os estudantes podem aplicar conhecimentos de ciências, matemática e geografia enquanto trabalham colaborativamente pela sustentabilidade.
Essa abordagem é fortalecida pelas metodologias ativas, em especial a Aprendizagem Baseada em Projetos (PBL), o Design Thinking e as práticas de investigação científica. Em uma sequência didática integrada, um projeto pode começar com a identificação de um problema local, passar por fases de pesquisa e cocriação de soluções e culminar em uma apresentação pública dos resultados. Isso conecta o aprendizado à vida real, motivando os alunos pelo senso de propósito.
Na prática, o professor atua como curador e facilitador: organiza os conteúdos obrigatórios do currículo em torno de uma problemática e apoia os grupos nas etapas de pesquisa, análise de dados e prototipagem. Plataformas como o Google Forms e ferramentas de prototipagem como o Tinkercad e o Canva podem ser aliadas ao longo do processo. Além disso, parcerias com a comunidade local enriquecem os projetos, tornando-os mais significativos e contextualizados.
Promover o vínculo entre a EBSPR e a BNCC não significa somente cumprir diretrizes educacionais, mas principalmente humanizar o ensino e preparar os alunos para atuarem como cidadãos conscientes e criativos. A flexibilidade das metodologias ativas permite personalizar as propostas pedagógicas conforme as realidades das turmas, garantindo engajamento e aprendizagem sólida.
Como selecionar problemas relevantes
Selecionar problemas relevantes é o alicerce da Educação Baseada em Soluções para Problemas Reais. Para isso, o educador precisa estar atento ao universo dos alunos e aos desafios que permeiam seu cotidiano. A escuta ativa deve ocorrer em múltiplas instâncias: conversas informais, rodas de discussão, pequenos formulários ou até mesmo saídas de campo. O objetivo é identificar temas que estejam próximos à realidade dos estudantes, permitindo uma imersão mais significativa no processo investigativo.
Por exemplo, caso a escola esteja localizada em uma área com recorrentes alagamentos, esse pode se tornar o ponto de partida para um projeto interdisciplinar envolvendo geografia, ciências, matemática e até educação artística. Já em locais com desafios relacionados à alimentação saudável, um projeto pode investigar os hábitos alimentares da comunidade e propor soluções viáveis, como hortas escolares ou campanhas de conscientização.
É importante que o problema escolhido seja desafiador o suficiente para estimular a pesquisa e a criação de soluções, mas também acessível à compreensão e atuação dos alunos. Bons problemas promovem reflexão crítica, empatia e despertam o desejo de mudança. Vale ainda elaborar um mapa de temas emergentes na atualidade (como a crise climática, as fake news, ou o impacto da tecnologia nas relações sociais) e relacioná-los ao contexto local.
Uma dica prática é utilizar a matriz de relevância e viabilidade: em um eixo, os alunos e professores avaliam o quanto aquele problema impacta suas vidas; no outro, o quanto é possível agir sobre ele no ambiente escolar. A interseção desses eixos ajuda a priorizar os temas mais significativos para projetos transformadores.
Papéis do professor e dos estudantes nesse modelo
O professor deixa de ser apenas aquele que ensina e assume o papel de orientador das investigações. Ele instiga, escuta, organiza momentos de compartilhamento e aprofunda teoricamente as descobertas dos alunos. Sua atuação passa a exigir escuta ativa e sensibilidade para identificar temas relevantes que possam se transformar em projetos significativos. Por exemplo, ao perceber o interesse dos alunos por questões ambientais locais – como a destinação do lixo no bairro –, o professor pode propor uma investigação interdisciplinar que una Ciências, Geografia, Matemática e Língua Portuguesa.
Já os estudantes são cocriadores do conhecimento. Participam da definição das perguntas-problema, mobilizam fontes de informação e constroem soluções com senso de responsabilidade e criatividade. Estimulados a investigar e propor protótipos ou intervenções, desenvolvem competências como autonomia, colaboração e pensamento crítico. Um bom exemplo seria uma turma do ensino fundamental que, ao observar desperdício de água na escola, decide criar campanhas de conscientização com dados coletados, infográficos e até dispositivos simples para redução do consumo.
Para que esse modelo seja eficaz, é essencial que o professor planeje momentos de socialização e validação das ideias dos estudantes, além de promover o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento. Ao mesmo tempo, é importante fornecer ferramentas teóricas para que os alunos consigam aprofundar suas soluções e compreender a complexidade dos problemas enfrentados.
Por fim, a criação de uma cultura de escuta, respeito e protagonismo é fundamental. Isso significa oferecer um ambiente seguro e estimulante, onde o erro seja visto como parte do processo e a busca por soluções traga aprendizagens reais para dentro da escola. Assim, EBSPR se torna não apenas uma estratégia pedagógica, mas um exercício democrático de construção de cidadania.
Avaliação na EBSPR: olhar para o processo
Na Educação Baseada em Soluções para Problemas Reais (EBSPR), a avaliação deve acompanhar o percurso inteiro da aprendizagem, valorizando não apenas os resultados finais, mas as diferentes etapas de desenvolvimento dos estudantes. Isso exige uma mudança de foco: da simples verificação de conteúdos memorizados para a observação contínua das habilidades cognitivas, emocionais e sociais que os alunos ativam durante o processo investigativo.
Uma prática recomendada é o uso de diários reflexivos, nos quais os estudantes registram suas percepções, decisões e dificuldades ao longo do projeto. Esses registros promovem a metacognição e facilitam o acompanhamento do professor. Outro recurso poderoso são as rubricas de avaliação, que deixam explícitos os critérios observados, como colaboração, criatividade, argumentação e perseverança. Elas ajudam os alunos a compreender o que se espera em cada etapa e onde podem melhorar.
A autoavaliação é igualmente relevante, pois promove autonomia e consciência crítica. Os estudantes aprendem a reconhecer seus próprios avanços e limitações, tornando-se mais responsáveis por sua aprendizagem. Já os portfólios digitais ou físicos podem registrar todo o percurso, desde a formulação do problema até a apresentação da proposta de solução, permitindo uma visão ampla da evolução do grupo ou indivíduo.
Mais do que pontuar acertos e erros, a avaliação na EBSPR serve para fortalecer o processo formativo, reconhecer o esforço coletivo e coletar evidências de aprendizado significativo. Ao adotar instrumentos variados e contínuos, o professor reforça a ideia de que errar, testar e ajustar são partes fundamentais do aprender.
Estratégias para começar na prática
Uma excelente maneira de iniciar a Educação Baseada em Soluções para Problemas Reais (EBSPR) é identificar desafios cotidianos vivenciados na própria escola, como desperdício de alimentos na cantina, descarte incorreto de lixo ou a melhoria da convivência entre turmas. Esses temas conectam-se à realidade imediata dos estudantes, facilitando o engajamento. É possível usar rodas de conversa para levantar esses problemas e selecionar, em conjunto, quais serão investigados, promovendo o protagonismo estudantil desde o início.
Outra abordagem eficaz é co-criar com os alunos um banco de temas relevantes. Por meio de votações, entrevistas ou pesquisas de opinião, os estudantes podem identificar demandas reais da comunidade escolar ou do entorno. Esses dados ajudam a construir semanas temáticas de investigação, onde cada grupo trabalha sobre um desafio específico, propondo soluções com base em pesquisa, experimentação e debate.
Para enriquecer a experiência, parcerias com organizações locais — ONGs, secretarias municipais ou empreendedores sociais — são valiosas. Visitas técnicas a esses espaços permitem observar diretamente os problemas enfrentados por agentes comunitários e compreender o impacto das propostas de solução. Ferramentas como mapas colaborativos podem ser utilizadas para visualizar os dados coletados, e atividades de prototipagem ajudam a materializar ideias de forma concreta.
Por fim, é importante documentar o processo. Criar portfólios digitais, organizar feiras de soluções ou construir painéis físicos com os aprendizados e resultados possibilita compartilhar os projetos com a comunidade escolar e promover uma cultura de valorização da investigação e da ação cidadã.
Exemplos inspiradores do Brasil
Projetos como o “Jovens Transformadores”, desenvolvido em escolas públicas da Bahia, mostram como a EBSPR pode envolver os estudantes de forma profunda. Nessa iniciativa, os alunos identificaram desafios em suas comunidades — como a escassez de alimentos frescos — e desenvolveram soluções reais por meio da criação de hortas escolares e comunitárias. O projeto integrou disciplinas como Ciências, Matemática e Geografia, com resultados que ultrapassaram os muros da escola.
Outro caso marcante é o do colégio que implantou o projeto “Cidade que Queremos”, em Porto Alegre. A partir da análise de problemas do bairro, os estudantes criaram campanhas de conscientização sobre saúde mental, além de intervenções urbanas como grafites educativos e revitalizações de praças. A metodologia utilizada combinou Design Thinking e pesquisa de campo, incentivando o protagonismo e a escuta ativa.
Essas experiências revelam que, com criatividade, escuta e um planejamento bem alinhado à realidade dos alunos, é possível transformar conteúdos curriculares em ferramentas de transformação social. Ainda que com poucos recursos materiais, o apoio da comunidade escolar e a mediação dos educadores são essenciais para o sucesso dos projetos.
Docentes interessados em implementar esse tipo de abordagem podem começar com pequenos desafios locais, integrar saberes interdisciplinares e construir parcerias com instituições ou lideranças comunitárias. Mais do que executar atividades pontuais, trata-se de cultivar nos estudantes uma mentalidade investigativa voltada à cidadania ativa e à resolução colaborativa de problemas reais.