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Condicionamento clássico: Como Pavlov revelou os reflexos da mente

Como referenciar este texto: Condicionamento clássico: Como Pavlov revelou os reflexos da mente’. Rodrigo Terra. Publicado em: 24/06/2025. Link da postagem: https://www.makerzine.com.br/educacao/condicionamento-classico-como-pavlov-revelou-os-reflexos-da-mente/.

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Por que salivamos ao ver comida? Por que sentimos um arrepio ao ouvir uma música associada a um momento difícil? Essas reações parecem surgir sem que pensemos nelas — como se fossem automáticas. No entanto, elas não são fruto do acaso: fazem parte de um processo profundo de aprendizado, no qual nosso cérebro associa experiências, sons, imagens e emoções ao longo do tempo. Aprendemos a reagir a estímulos do ambiente de maneira quase reflexa, como resultado de repetições, conexões e vivências anteriores.

Um dos primeiros cientistas a investigar esse tipo de resposta foi o fisiologista russo Ivan Pavlov. No início do século XX, seus experimentos com cães revelaram um princípio fundamental da psicologia: é possível condicionar o comportamento por meio da associação entre estímulos. Assim nasceu o conceito de Condicionamento Clássico, uma das teorias mais influentes para entender como aprendemos, reagimos e até como nos comportamos diante de situações cotidianas — da escola às relações sociais.

Quem foi Ivan Pavlov?

Ivan Petrovich Pavlov (1849–1936) foi um dos cientistas mais influentes do seu tempo. Formado em medicina e especializado em fisiologia, Pavlov dedicou grande parte de sua carreira ao estudo do sistema digestivo. Seu trabalho o levou a receber o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1904, pelas descobertas relacionadas ao funcionamento das glândulas digestivas. Mas foi em meio a esses estudos, observando cães em seu laboratório, que Pavlov fez uma descoberta que mudaria os rumos da psicologia moderna.

Enquanto media a produção de saliva dos animais em resposta aos alimentos, ele percebeu algo curioso: os cães começavam a salivar antes mesmo de verem a comida, apenas ao ouvirem os passos do assistente que a trazia. Era como se o som — um estímulo neutro — estivesse, por repetição, assumindo o papel do próprio alimento. Intrigado, Pavlov decidiu investigar esse fenômeno mais a fundo. Seus experimentos revelaram que o comportamento pode ser moldado por meio da associação entre estímulos, dando origem ao conceito de condicionamento clássico — uma ideia que viria a influenciar profundamente áreas como a psicologia, a pedagogia, o marketing e a neurociência.

O experimento com cães

A experiência mais conhecida de Pavlov ficou famosa por sua simplicidade e profundidade. Para investigar como se formavam essas associações no cérebro, Pavlov desenhou um experimento cuidadosamente controlado. Ele passou a apresentar um estímulo neutro — como o som de um sino — imediatamente antes de oferecer comida aos cães. Repetindo essa sequência várias vezes, ele notou algo extraordinário: os cães começavam a salivar apenas ao ouvir o som, mesmo que nenhum alimento estivesse presente.

Ou seja, o sino — que originalmente não causava nenhuma resposta específica — passou a ser suficiente para desencadear a salivação, como se o organismo “esperasse” a comida. Essa resposta aprendida revelou um mecanismo psicológico poderoso: o cérebro é capaz de associar estímulos entre si e antecipar acontecimentos com base na experiência.

Esse processo ficou conhecido como condicionamento clássico (ou condicionamento pavloviano), e pavimentou o caminho para estudos posteriores sobre comportamento, aprendizagem e memória. Pavlov havia demonstrado, pela primeira vez, que o comportamento pode ser condicionado por meio da repetição e da associação sistemática de estímulos.

Conceitos-chave do Condicionamento Clássico

Para compreender melhor o experimento de Pavlov, é importante conhecer os principais termos usados para descrever o processo de aprendizagem por associação. Veja a seguir os conceitos centrais do condicionamento clássico:

  • Estímulo Incondicionado (EI): é qualquer estímulo que provoca uma resposta de forma natural, sem que haja aprendizado prévio. No experimento de Pavlov, a comida é um exemplo de estímulo incondicionado, pois naturalmente faz o cão salivar, sem precisar de treinamento.

  • Resposta Incondicionada (RI): é a reação automática e instintiva ao estímulo incondicionado. No caso dos cães, salivar ao ver ou sentir o cheiro da comida é uma resposta incondicionada, pois acontece naturalmente.

  • Estímulo Neutro (EN): é um estímulo que, inicialmente, não provoca nenhuma resposta específica. No experimento, o sino era um estímulo neutro — os cães não reagiam a ele de forma significativa no início.

  • Estímulo Condicionado (EC): é o estímulo que, após ser repetidamente associado ao estímulo incondicionado, passa a provocar a mesma resposta. Depois de várias repetições, o sino deixa de ser neutro e se torna um estímulo condicionado, porque os cães aprendem a associá-lo à comida.

  • Resposta Condicionada (RC): é a resposta que o organismo passa a ter diante do estímulo condicionado. Quando os cães salivam ao ouvir o sino, mesmo sem comida, essa reação é uma resposta condicionada — resultado do aprendizado por associação.

Esse conjunto de conceitos não se limita ao laboratório: ele ajuda a entender como aprendemos a reagir emocional e fisicamente a sons, cheiros, imagens ou situações no nosso dia a dia. O condicionamento clássico está presente, por exemplo, quando sentimos medo ao ver algo que já nos causou dor, ou alegria ao ouvir uma música que associamos a boas memórias.

Aplicações do Condicionamento Clássico

O condicionamento clássico não é apenas uma teoria sobre cães e sinos. Seus princípios estão presentes em inúmeras situações do nosso cotidiano — influenciando comportamentos, emoções e decisões muitas vezes sem que percebamos. Veja algumas das principais áreas onde essa forma de aprendizagem se manifesta:

  • Educação: em ambientes escolares, o condicionamento pode moldar atitudes dos alunos em relação às disciplinas e até aos professores. Por exemplo, um aluno que é frequentemente exposto a situações estressantes em aulas de matemática pode, ao longo do tempo, associar a disciplina à ansiedade, evitando o conteúdo mesmo sem motivo racional. Por outro lado, um ambiente acolhedor e motivador pode criar associações positivas, fazendo com que o aluno se sinta confortável e interessado. Professores atentos a esses vínculos emocionais podem utilizar estímulos positivos (como músicas, dinâmicas ou elogios) para transformar a relação do estudante com o aprendizado.

  • Psicologia clínica: o condicionamento clássico é base para técnicas terapêuticas que lidam com fobias, traumas e comportamentos disfuncionais. Por meio da dessensibilização sistemática, por exemplo, a pessoa é gradualmente exposta ao estímulo que causa medo (como falar em público ou ver aranhas), de forma controlada e segura, até que a resposta emocional negativa seja enfraquecida. É um processo de recondicionamento, onde novas associações mais neutras ou positivas substituem as antigas.

  • Marketing e publicidade: o campo da propaganda utiliza o condicionamento clássico com maestria. Jingles, logotipos, cores e sons são criados para evocar emoções específicas. Um comercial que associa uma música alegre a uma marca de refrigerante, por exemplo, está treinando seu cérebro para sentir prazer ao ver aquela embalagem no mercado. Essas associações emocionais aumentam a familiaridade e o desejo de consumo — tudo baseado na repetição de estímulos e respostas.

Esses exemplos mostram que o legado de Pavlov vai muito além da teoria: ele está presente em nossas emoções, hábitos e reações automáticas, ajudando a explicar como aprendemos com o mundo ao nosso redor.

Por que esse conceito importa na educação?

Entender o condicionamento clássico é essencial para qualquer educador que deseja criar um ambiente de aprendizagem mais consciente, afetivo e eficiente. Isso porque o processo de ensino-aprendizagem vai muito além dos conteúdos curriculares — ele envolve memórias, emoções e experiências que ficam gravadas na mente dos alunos por meio de associações repetidas.

Imagine um estudante que, ao errar uma resposta em voz alta, é ridicularizado por colegas ou exposto de forma negativa. Mesmo que isso aconteça apenas uma vez, pode ser o suficiente para que ele associe a participação em sala ao medo, à vergonha ou ao desconforto. Ao longo do tempo, ele pode desenvolver uma resposta condicionada de evitação, evitando levantar a mão, expor opiniões ou tentar resolver problemas publicamente.

Por outro lado, um ambiente que celebra o esforço, acolhe os erros como parte do processo e reforça positivamente cada tentativa — mesmo as incorretas — contribui para o condicionamento de respostas emocionais positivas, como segurança, curiosidade e engajamento. Assim, o aluno associa a sala de aula com um espaço de confiança e crescimento.

Além disso, estratégias simples e intencionais podem potencializar o aprendizado a partir desses princípios:

  • Trilhas sonoras específicas para determinados momentos da aula (entrada, atividade, relaxamento) ajudam a criar vínculos sensoriais que favorecem a organização mental e a memorização.

  • Reforços verbais positivos (“ótima pergunta”, “excelente raciocínio”, “você está no caminho certo”) geram associações afetivas que fortalecem a autoestima acadêmica.

  • Rotinas claras e consistentes (como horários definidos para leitura, atividades práticas ou reflexões) permitem que o cérebro antecipe com segurança o que vai acontecer, o que reduz a ansiedade e aumenta a atenção.

Em outras palavras, o ambiente escolar é também um espaço de condicionamentos emocionais contínuos, e compreendê-los torna o trabalho docente mais empático, estratégico e transformador.

Explorando com os alunos: atividades interdisciplinares a partir de Pavlov

O conceito de condicionamento clássico pode ser trabalhado de forma prática, criativa e interdisciplinar em sala de aula, conectando conteúdos de diferentes áreas do conhecimento. Essas experiências ajudam os alunos a compreender, vivenciar e refletir sobre os mecanismos do comportamento humano — e também a reconhecer como aprendem, sentem e reagem ao ambiente.

A seguir, propomos atividades detalhadas que envolvem Ciências, Psicologia, Língua Portuguesa, Artes e Música, adaptáveis para o ensino fundamental II e ensino médio:

 

Ciências e Psicologia: experimentando o condicionamento

Objetivo: demonstrar, de maneira ética e segura, como associações entre estímulos e respostas podem ser aprendidas por repetição.

Atividade prática:

  1. Divida a turma em grupos e explique os conceitos de estímulo neutro, condicionado e incondicionado.

  2. Combine com os alunos um “estímulo neutro” (ex: um som específico — palmas, apito ou batida na mesa).

  3. Associe esse som a uma pequena recompensa, como uma bala, após cada repetição.

  4. Após algumas rodadas, aplique o som sem oferecer a bala e observe se os alunos reagem (olham, estendem a mão, sorriem, etc.).

  5. Registre as reações e discuta: o que mudou? Por que reagimos mesmo sem a recompensa?

Discussão em grupo:

  • Reflitam sobre como experiências do cotidiano também criam esse tipo de resposta.

  • Como o condicionamento está presente nas propagandas, nas músicas de suspense em filmes, ou no nervosismo pré-prova?

 

Língua Portuguesa: narrativas de experiências condicionadas

Objetivo: desenvolver a escrita narrativa e a autorreflexão por meio da exploração de memórias que envolvem reações emocionais automáticas.

Atividade de escrita:

  1. Proponha o seguinte tema para redação: “Aquela vez em que reagi sem pensar”.

  2. Oriente os alunos a escreverem narrativas curtas sobre situações em que reagiram automaticamente — sentiram medo, alegria, ansiedade ou raiva diante de um som, cheiro, lugar ou imagem.

  3. Incentive que identifiquem, ao final do texto, o que poderia ter causado essa associação emocional (ex: uma bronca na infância, um momento feliz, um trauma, uma música, etc.).

Dicas para enriquecer o texto:

  • Incluir descrições sensoriais (sons, cheiros, cores).

  • Reforçar o impacto emocional do momento.

  • Conectar o episódio com os conceitos de estímulo e resposta condicionada.

Discussão final:

  • Compartilhar voluntariamente os textos (em roda de leitura ou painel).

  • Discutir como o passado influencia nosso comportamento presente.

 

Artes e Música: expressando condicionamentos através da criação

Objetivo: representar artisticamente o funcionamento do condicionamento clássico por meio de trilhas sonoras, encenações ou composições autorais.

Opção 1 – Teatro:

  1. Grupos de alunos encenam pequenas peças ou esquetes baseadas em situações do cotidiano onde o condicionamento aparece.

    • Ex: alguém que fica nervoso ao ouvir o toque do sinal da escola; alguém que sente saudade ao sentir um cheiro específico.

  2. A dramatização deve evidenciar o estímulo, a resposta e o processo de associação.

Opção 2 – Música:

  1. Propor que os alunos criem uma música ou trilha que represente emocionalmente uma associação aprendida.

    • Ex: uma melodia alegre associada a lembranças da infância, ou uma sequência sonora que gere expectativa, como em filmes.

  2. Gravar ou apresentar ao vivo, explicando a relação entre os sons e os sentimentos que desejam provocar.

Opção 3 – Artes Visuais:

  1. Criar colagens, pôsteres ou ilustrações que mostrem como diferentes estímulos do ambiente moldam nossas reações.

    • Ex: desenhos de objetos cotidianos (celular, lanterna, bandeira) acompanhados das emoções que evocam.

  2. Montar uma exposição temática na escola com os trabalhos.

 

Ampliando as possibilidades

Essas atividades podem ser conectadas a outras disciplinas também:

  • Matemática e Estatística: levantamento de dados sobre reações emocionais em diferentes contextos da escola (por exemplo, quantos alunos se sentem bem com determinadas aulas ou músicas), análise de gráficos e interpretação de padrões.

  • Tecnologia e Mídias Digitais: produção de vídeos curtos que simulem o experimento de Pavlov ou documentem reações emocionais a estímulos diversos.

  • Educação Física: estudo de como certos sons (apito, música) influenciam o desempenho ou a motivação durante a prática esportiva.

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Rodrigo Terra

Com formação inicial em Física, especialização em Ciências Educacionais com ênfase em Tecnologia Educacional e Docência, e graduação em Ciências de Dados, construí uma trajetória sólida que une educação, tecnologias ee inovação. Desde 2001, dedico-me ao campo educacional, e desde 2019, atuo também na área de ciência de dados, buscando sempre encontrar soluções focadas no desenvolvimento humano. Minha experiência combina um profundo conhecimento em educação com habilidades técnicas em dados e programação, permitindo-me criar soluções estratégicas e práticas. Com ampla vivência em análise de dados, definição de métricas e desenvolvimento de indicadores, acredito que a formação transdisciplinar é essencial para preparar indivíduos conscientes e capacitados para os desafios do mundo contemporâneo. Apaixonado por café e boas conversas, sou movido pela curiosidade e pela busca constante de novas ideias e perspectivas. Minha missão é contribuir para uma educação que inspire pensamento crítico, estimule a criatividade e promova a colaboração.

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