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Recontar para escrever: BNCC EI03EF05 na Educação Infantil

Como referenciar este texto: Recontar para escrever: BNCC EI03EF05 na Educação Infantil. Rodrigo Terra. Publicado em: 13/12/2025. Link da postagem: https://www.makerzine.com.br/educacao/recontar-para-escrever-bncc-ei03ef05-na-educacao-infantil/.


 
 

Nessa perspectiva, o reconto não é apenas “repetir” uma narrativa; é um espaço de criação, reorganização de ideias, negociação de sentidos e início de compreensão das características do texto escrito. Ao ouvir o que a criança conta e registrar por escrito, o professor abre uma janela para que o pequeno leitor-autor enxergue a própria linguagem materializada nas linhas do papel ou na tela.

Ao mesmo tempo, a mediação intencional do adulto faz diferença: planejar como contar a história, como ouvir o reconto, que perguntas fazer e como registrar a fala das crianças transforma a atividade em experiência de aprendizagem profunda. É nesse entrelaçamento de escuta qualificada, registro escrito e devolutiva para o grupo que o EI03EF05 ganha vida na rotina.

Este artigo apresenta fundamentos pedagógicos, exemplos práticos e sugestões de organização do trabalho com reconto na Educação Infantil, articulando o objetivo da BNCC com metodologias ativas e tecnologias simples (analógicas e digitais). A proposta é apoiar o professor na criação de experiências significativas, que respeitem o tempo da infância e valorizem a autoria das crianças.

 

Compreendendo o objetivo EI03EF05 na BNCC

O objetivo EI03EF05 da BNCC está situado no campo de experiências ligado à linguagem, e descreve a expectativa de que as crianças recontrem histórias ouvidas tendo o professor como escriba, ou seja, como aquele que registra por escrito aquilo que foi narrado oralmente. Mais do que um item de checklist, esse objetivo explicita uma concepção de infância em que meninos e meninas são autores competentes de textos orais, mesmo antes de dominarem convencionalmente a escrita alfabética. Ao transformar a fala das crianças em texto, o professor cria uma ponte entre oralidade e linguagem escrita, sem antecipar exigências formais inadequadas para essa etapa.

Compreender o EI03EF05 implica perceber que o foco não está em “ensinar a escrever” no sentido tradicional, mas em proporcionar situações em que a criança perceba que aquilo que diz pode ser registrado, lido e relido, tornando-se um objeto estável. Nesse processo, emergem noções importantes sobre começo, meio e fim da narrativa, sobre personagens, cenário e sequência de acontecimentos, bem como sobre a própria função social da escrita: contar algo a alguém, registrar uma memória, compartilhar uma experiência. A ênfase recai na construção de sentido, na organização das ideias e na ampliação do repertório linguístico.

O objetivo também reforça o papel da escuta sensível do adulto. Para que o reconto aconteça de maneira significativa, é preciso que o professor conheça bem a história original, planeje a leitura ou contação e, depois, se coloque como parceiro na reconstrução da narrativa pelas crianças. Ao registrar o que elas dizem, o educador toma decisões: respeitar a fala tal como foi enunciada, fazer perguntas que ajudem a detalhar trechos, convidar outras crianças a completarem a cena ou a relembrar partes esquecidas. Essas escolhas pedagógicas materializam o EI03EF05 em práticas concretas, que valorizam a singularidade de cada grupo.

Outro aspecto fundamental é entender o EI03EF05 em articulação com outros campos da BNCC, como artes visuais, música e exploração de tecnologias. O reconto pode ser apoiado por imagens, objetos, cenários construídos com blocos ou materiais de sucata, trilhas sonoras e recursos digitais simples, como gravadores de áudio ou aplicativos de desenho. Assim, as crianças não apenas contam e recontam com palavras, mas também com gestos, traços, sons e movimentos, enriquecendo a narrativa e criando múltiplas pistas que facilitam o registro escrito feito pelo professor.

Por fim, compreender o objetivo EI03EF05 significa inseri-lo na rotina, e não tratá-lo como atividade isolada. O reconto pode aparecer em momentos de roda de conversa, na documentação de um projeto de investigação, no registro coletivo de uma brincadeira marcante, ou na produção de livros e murais da turma. Quando as crianças veem suas falas transformadas em textos acessíveis ao grupo e às famílias, passam a reconhecer a força de sua própria voz e a importância da escrita como ferramenta de memória, comunicação e participação social – exatamente o horizonte formativo que a BNCC propõe para a Educação Infantil.

 

Do contar ao recontar: oralidade como eixo estruturante

Quando falamos em EI03EF05, é tentador pular diretamente para o texto escrito, mas o eixo estruturante dessa competência é, antes de tudo, a oralidade. É na conversa, na contação de histórias, nas rodas de bate-papo e nas narrativas espontâneas que as crianças experimentam a linguagem em sua forma mais viva. Contar e recontar histórias cria um campo de jogo simbólico em que elas testam hipóteses sobre começo, meio e fim, personagens, cenários e causas e consequências, muito antes de precisarem codificar tudo isso em letras.

O movimento do contar ao recontar dá à criança a oportunidade de apropriar-se da história: ela seleciona o que é mais importante, reorganiza acontecimentos, adiciona detalhes que fazem sentido para sua experiência e, muitas vezes, altera o enredo. Nesse processo, a oralidade não é mero ensaio para a escrita, mas um modo legítimo de produção de texto. O professor que escuta atentamente esse reconto consegue identificar quais elementos de coesão, coerência e estrutura narrativa já aparecem na fala e como pode, a partir daí, ampliar repertórios.

Considerar a oralidade como eixo implica também criar rituais de fala e de escuta na rotina: combinar quem fala e quem ouve, valorizar a vez de cada criança, promover recontos individuais, em duplas e em pequenos grupos. Ao variar essas formas de participação, o educador estimula que as crianças negociem sentidos, complementem as falas umas das outras, discordem com respeito e aprendam a sustentar uma narrativa diante de um público real. Cada reconto compartilhado é um exercício de autoria e de tomada de voz.

É nesse cenário que o adulto-escriba entra como mediador sensível: ele não apenas registra o que a criança disse, mas mostra, em voz alta, como transforma a linguagem oral em linguagem escrita. Ao ler o texto em voz alta depois de registrado, convidar a criança a conferir “se ficou igual ao que você contou” e aceitar ajustes sugeridos por ela, o professor explicita a relação entre fala e escrita sem antecipar cobranças de decodificação. Assim, a oralidade se mantém no centro, e a escrita aparece como extensão e memória da palavra falada.

Ao planejar situações de reconto, o educador pode explorar diferentes gêneros orais: recontos de histórias literárias, relatos de experiências do cotidiano da turma, narrativas de brincadeiras e até notícias da escola. O importante é que a criança perceba que o que ela diz tem valor social e pode ganhar forma escrita, digital ou impressa, circulando em murais, portfólios, blogs da turma ou pequenos livros coletivos. Dessa forma, o EI03EF05 se concretiza como uma prática que articula oralidade, participação e letramento de maneira integrada, respeitando o tempo da infância.

 

O professor como escriba: mediação intencional da escrita

Quando falamos do professor como escriba, não estamos propondo que o adulto apenas “passe a limpo” aquilo que a criança diz, mas que realize uma mediação intencional e consciente da linguagem. Ao registrar a fala infantil em forma de texto, o professor transforma a oralidade em objeto de reflexão, permitindo que as crianças observem como suas palavras ganham outra materialidade: letras, linhas, parágrafos, pontuação. Esse processo ajuda a construir a ideia de que o que se escreve guarda relação com o que se fala, sem reduzir a fala infantil a um modelo adulto rígido.

Ser escriba, nessa perspectiva, significa escutar atentamente, escolher momentos-chave para perguntar, reformular, confirmar sentidos e, ao mesmo tempo, tornar visível o próprio ato de escrever. Falar em voz alta enquanto escreve, nomear letras, mostrar onde começa e termina uma frase, comentar por que inseriu um ponto ou uma vírgula são gestos que introduzem as crianças nos funcionamentos do sistema de escrita sem transformá-lo em treino mecânico. A mediação acontece em tempo real, com o professor compartilhando suas decisões de escrita como se estivesse “pensando alto” diante do grupo.

Ao registrar o reconto das crianças, o professor enfrenta uma escolha pedagógica importante: manter a forma exata da fala ou fazer pequenas adequações para aproximar o texto da norma escrita. Em vez de optar por um dos extremos, a mediação intencional pode combinar as duas dimensões. Em certos momentos, o adulto registra com a máxima fidelidade possível a oralidade infantil, reforçando a ideia de autoria; em outros, negocia com o grupo ajustes na frase, explicando por que mudou uma palavra de lugar ou acrescentou um conector. Essa conversa sobre o texto é tão formativa quanto a escrita em si.

Outro aspecto central da função de escriba é a devolutiva do texto para as crianças. Ler em voz alta aquilo que foi escrito a partir do reconto, mostrar o registro em cartazes, cadernos coletivos ou projeções digitais e revisitar esses textos em outros dias reforça o vínculo entre a fala que circula na sala e o que permanece escrito. Quando as crianças reconhecem suas ideias no papel, sentem-se autoras, desenvolvem autoestima linguística e percebem que o texto pode ser retomado, ampliado e transformado ao longo do tempo.

Por fim, a mediação intencional da escrita inclui decisões sobre recursos e suportes. O professor pode atuar como escriba em grandes folhas de papel, no quadro branco, em um processador de texto projetado, ou ainda usando tablets para registrar e compartilhar os recontos. O importante é que a escolha do suporte ajude a tornar o texto visível para o grupo e facilite a participação das crianças na construção coletiva: sugerindo títulos, decidindo que parte vem primeiro, escolhendo ilustrações, fotografias ou pequenos vídeos que dialoguem com o texto. Assim, a figura do escriba transcende o ato de escrever por alguém e converte-se em uma prática de coautoria mediada, em que adultos e crianças constroem juntos o caminho entre a oralidade e a cultura escrita.

 

Planejamento de sequências didáticas de reconto

Planejar sequências didáticas de reconto significa ir além de atividades isoladas com histórias e organizar um percurso intencional de aprendizagem, com começo, meio e fim. Na Educação Infantil, isso envolve pensar em como as crianças terão contato com diferentes narrativas, em múltiplas linguagens (livros ilustrados, narrativas orais, vídeos curtos, áudios, teatro de fantoches), e como essas experiências serão encadeadas ao longo de dias ou semanas. A sequência precisa considerar momentos de exploração livre, atividades de compreensão da história, situações de reconto coletivo e, por fim, oportunidades de registro escrito mediado pelo professor, em diálogo direto com o objetivo EI03EF05.

Um ponto central no planejamento é definir os objetivos específicos de cada etapa: em um primeiro momento, o foco pode ser a escuta atenta e o envolvimento afetivo com a história; depois, a organização da sequência de acontecimentos (início, meio e fim); mais adiante, o enriquecimento do vocabulário e das falas das personagens; por último, o professor pode priorizar a transformação do reconto oral em texto escrito compartilhado. Ao detalhar esses objetivos, o educador consegue escolher melhores estratégias, intervenções e perguntas, evitando que o reconto se reduza a “decorar” a narrativa original.

Também é importante planejar a variação das formas de reconto ao longo da sequência. Em um dia, pode-se propor um reconto coletivo com apoio de imagens; em outro, um reconto em pequenos grupos usando fantoches, cenários ou blocos de montar; em outro ainda, um reconto individual em que cada criança contribui com uma parte da história. Essa diversificação favorece a participação ativa de todas as crianças, respeita diferentes estilos de comunicação e cria múltiplas oportunidades para que o professor atue como escriba, registrando frases significativas faladas pelo grupo e tornando visível o vínculo entre oralidade e escrita.

No planejamento, vale prever momentos de devolutiva às crianças, em que o professor lê em voz alta o texto que escreveu a partir do reconto do grupo, apontando para as palavras, destacando marcas típicas da linguagem escrita (pontuação, parágrafos, uso de “era uma vez”, entre outros) e convidando as crianças a comentar se o que está escrito corresponde ao que haviam dito. Essa “conferência” coletiva ajuda a criança a perceber que é autora, ainda que não escreva convencionalmente, e que o texto pode ser revisado, ampliado ou corrigido por ela mesma.

Por fim, um bom planejamento de sequência didática de reconto inclui organização de tempo, espaço e recursos. É preciso definir quantos encontros serão necessários, quais materiais serão utilizados (livros físicos, projetor, gravador de áudio, tablets, cartazes, fichas com imagens, etc.) e como os produtos finais serão socializados: mural da turma, portfólios, livros coletivos, gravações em áudio ou vídeo. Ao registrar o percurso, o professor também cria evidências de aprendizagem que dialogam com a BNCC, mostrando avanços na capacidade de recontar, na qualidade das interações orais e na compreensão das funções sociais da escrita.

 

Metodologias ativas e tecnologias no trabalho com reconto

Articular metodologias ativas ao trabalho com reconto significa deslocar a criança da posição de ouvinte passiva para o papel de protagonista do processo narrativo. Em vez de apenas escutar a história contada pelo adulto, as crianças participam de escolhas de personagens, cenários e desfechos, reorganizam a sequência dos acontecimentos e discutem, em grupo, o que faz sentido manter, acrescentar ou transformar. O professor, nesse contexto, atua como mediador que provoca questionamentos, ajuda a explicitar ideias e conduz o registro escrito, garantindo que a autoria infantil apareça de forma fiel e respeitosa.

Entre as metodologias ativas que dialogam bem com o EI03EF05, destacam-se a aprendizagem por projetos, as rodas de conversa, o trabalho em estações ou cantos e a aprendizagem entre pares. Em um projeto de reconto, por exemplo, a turma pode escolher um livro de referência, organizando-se em pequenos grupos para recontar a mesma história com focos diferentes: um grupo enfatiza o cenário, outro reescreve os diálogos, outro inventa um novo final. Nas rodas de conversa, as crianças apresentam suas versões, comparam semelhanças e diferenças, discutem o que é essencial para a história continuar reconhecível e o que pode ser livremente recriado.

As tecnologias, por sua vez, ampliam as possibilidades de registro, circulação e revisão dos recontos sem substituir o papel da oralidade nem a mediação próxima do professor. Recursos simples como gravadores de voz, tablets com aplicativos de desenho e escrita, projetores ou lousas digitais permitem documentar as falas das crianças, transformar recontos em pequenos audiolivros ou slides narrados e revisitar produções anteriores. Ao ouvir sua própria voz gravada, por exemplo, a criança percebe pausas, repetições e trechos confusos, podendo reformular o texto oral com apoio do professor antes que ele seja registrado por escrito.

Também é possível integrar materiais analógicos e digitais em sequências didáticas híbridas. Primeiro, a turma reconstrói a história com fantoches, cenário em papelão ou tapetes narrativos; depois, fotografa as cenas e usa um aplicativo simples para montar um “filme de imagens fixas” com o reconto narrado pelas crianças. Em outro momento, o professor escreve o texto coletivo em letras grandes, projeta ou imprime e, com canetas coloridas ou ferramentas de marcação digital, o grupo destaca personagens, ações e marcadores temporais, aproximando-se, de forma concreta, das características do texto escrito.

O uso de metodologias ativas e tecnologias só faz sentido quando fortalece a autonomia, a escuta e a autoria das crianças. Por isso, mais importante que dominar ferramentas sofisticadas é garantir espaço para que cada criança conte e reconte, seja ouvida e veja suas palavras ganharem corpo no papel ou na tela. Ao planejar, o professor precisa prever momentos de experimentação livre, de cooperação entre colegas e de socialização dos recontos com outras turmas, famílias ou comunidade escolar, construindo uma cultura em que a narrativa infantil é valorizada como produção cultural legítima e ponto de partida para o letramento.

 

Avaliação formativa e documentação das aprendizagens

Quando falamos de EI03EF05, é essencial compreender que a avaliação não se limita a verificar se a criança “acertou” o enredo ou lembrou todas as personagens. A lógica é formativa: observar como cada criança reconstrói a narrativa, que pistas usa para lembrar trechos, como organiza o começo, o meio e o fim, que marcas de linguagem aparecem em seu falar. Nessa perspectiva, a avaliação se faz durante o processo, enquanto o professor escuta, intervém com perguntas, acolhe hipóteses e registra não apenas o produto final do reconto, mas também o caminho trilhado para chegar até ele.

Para que essa avaliação seja realmente formativa, o professor precisa transformar suas observações em decisões pedagógicas concretas. Ao notar, por exemplo, que um grupo tem dificuldade em situar tempo e lugar da história, pode planejar novas leituras enfatizando esses elementos ou propor jogos de recontar apenas o cenário e as personagens. Se percebe que as crianças se apoiam muito nas ilustrações, pode variar os suportes (histórias em áudio, narrativas sem imagens, pequenos vídeos) para ampliar estratégias de memória e compreensão. Assim, o registro da aprendizagem não vira burocracia, mas base para replanejar e qualificar a prática.

A documentação pedagógica entra como aliada poderosa nesse processo, pois torna visíveis as aprendizagens que, muitas vezes, passam despercebidas no cotidiano. Gravar áudios dos recontos, fotografar sequências de desenhos produzidos pelas crianças, guardar versões sucessivas de um mesmo reconto coletivo escrito pelo professor-escriba e anotar comentários espontâneos dos pequenos são formas de construir um acervo vivo do percurso do grupo. Essa documentação, organizada em portfólios individuais ou painéis coletivos, revela como o pensamento narrativo e a consciência sobre o texto escrito vão se sofisticando ao longo do tempo.

Outro ponto-chave é compartilhar essa documentação com as próprias crianças, não apenas com as famílias e a gestão. Quando o professor relê um reconto registrado anteriormente, mostrando onde inseriu as falas delas, pergunta o que poderia ser acrescentado ou reorganizado, ele cria uma oportunidade de metacognição: o grupo passa a pensar sobre como conta, o que muda de um reconto para outro, quais palavras novas apareceram. Esse movimento de “devolutiva” alimenta o desejo de contar melhor, de prestar mais atenção às histórias e de se reconhecer como autor, fortalecendo o vínculo entre oralidade e escrita.

Na relação com as famílias, a documentação das aprendizagens sobre reconto também cumpre papel formativo. Ao enviar registros de áudio, fotografias das produções e trechos de narrativas transcritas, o professor não apenas “presta contas”, mas convida os responsáveis a perceberem as conquistas sutis das crianças: o uso de conectivos (“depois”, “então”), a organização cronológica, o enriquecimento do vocabulário, a capacidade de manter o foco em uma mesma história. Esse diálogo, sustentado por evidências concretas e linguagem acessível, ajuda a construir uma compreensão compartilhada de que aprender a escrever começa muito antes do domínio do código alfabético e que o reconto é uma etapa fundamental desse caminho.

 

Envolvendo as famílias e a cultura local nas histórias

Envolver as famílias e a cultura local nas propostas de reconto amplia o repertório das crianças e fortalece vínculos entre escola e comunidade. Quando o professor convida pais, avós, tios e outros responsáveis a compartilharem histórias de infância, lendas regionais, cantigas, parlendas e memórias de sua própria trajetória, ele amplia o universo narrativo para além dos livros didáticos. Esses relatos, que carregam sotaques, modos de falar e referências do território, tornam-se matéria-prima riquíssima para que as crianças recontem oralmente e, com o apoio do adulto-escriba, vejam suas narrativas ganharem forma escrita.

Uma maneira prática de fazer isso é organizar momentos de “rodas de histórias da família”, em que cada criança traz uma narrativa contada em casa: pode ser uma história de quando a família chegou ao bairro, uma receita tradicional, uma festa típica ou um “causo” engraçado. O professor registra, em formato de texto, o reconto da criança sobre o que ouviu em casa, mantendo expressões e particularidades da fala infantil. Em seguida, lê o registro para o grupo, destacando como a fala virou escrita: quem são os personagens, onde se passa a história, o que acontece primeiro, depois e por último.

A cultura local também pode entrar na sala de aula por meio de pesquisas e saídas de campo. Visitar a feira livre do bairro, a praça central, o rio, a igreja, o terreiro, o centro cultural ou o museu da cidade oferece situações reais para observação, conversa e produção de narrativas. Depois da vivência, as crianças contam ao professor o que viram, ouviram e sentiram; o adulto escreve o reconto coletivo em um painel, em cartazes ou em um documento digital projetado, evidenciando que o texto escrito é uma forma de guardar a memória da comunidade. Essas produções podem se transformar em pequenos livros, murais ou podcasts de histórias locais.

Para que a participação das famílias seja contínua, a escola pode criar projetos de “malas de histórias” que circulam entre as casas: dentro, vão um caderno de reconto, orientações simples para os responsáveis e sugestões de perguntas para apoiar a criança a narrar o que foi lido ou contado em família. De volta à escola, o professor lê os recontos trazidos no caderno, conversa com o grupo sobre semelhanças e diferenças entre as histórias e produz novos registros escritos a partir da fala das crianças. Assim, o objetivo EI03EF05 se realiza em um fluxo vivo entre casa e escola, no qual a escrita mediada pelo adulto nasce de experiências afetivas e significativas.

Ao reconhecer e valorizar a cultura local nas histórias, o professor também contribui para a construção da identidade das crianças. Ver a própria família, o próprio bairro e suas tradições transformados em texto escrito legitima saberes que muitas vezes ficam invisíveis no currículo. Esse movimento dialoga com a BNCC ao articular campos de experiência, diversidade cultural e letramento, reforçando a ideia de que toda criança é autora e que suas narrativas — enraizadas na vida cotidiana e na memória coletiva — merecem ser escutadas, registradas e compartilhadas.

 

Rodrigo Terra

Com formação inicial em Física, especialização em Ciências Educacionais com ênfase em Tecnologia Educacional e Docência, e graduação em Ciências de Dados, construí uma trajetória sólida que une educação, tecnologias ee inovação. Desde 2001, dedico-me ao campo educacional, e desde 2019, atuo também na área de ciência de dados, buscando sempre encontrar soluções focadas no desenvolvimento humano. Minha experiência combina um profundo conhecimento em educação com habilidades técnicas em dados e programação, permitindo-me criar soluções estratégicas e práticas. Com ampla vivência em análise de dados, definição de métricas e desenvolvimento de indicadores, acredito que a formação transdisciplinar é essencial para preparar indivíduos conscientes e capacitados para os desafios do mundo contemporâneo. Apaixonado por café e boas conversas, sou movido pela curiosidade e pela busca constante de novas ideias e perspectivas. Minha missão é contribuir para uma educação que inspire pensamento crítico, estimule a criatividade e promova a colaboração.

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