Como referenciar este texto: ‘Storytelling na Educação: Aprender, sentir e criar por meio das histórias’. Rodrigo Terra. Publicado em: 30/05/2025. Link da postagem: https://www.makerzine.com.br/educacao/storytelling-na-educacao-aprender-sentir-e-criar-por-meio-das-historias/.
Conteúdos que você verá nesta postagem
Desde os tempos mais antigos, contar histórias é uma das formas mais poderosas de transmitir saberes, valores e emoções. Muito antes da escrita, os povos já aprendiam sobre o mundo, a si mesmos e o outro por meio das palavras narradas em torno do fogo. Na escola contemporânea, essa prática ancestral ressurge com nova força: o storytelling — ou contação de histórias com intencionalidade pedagógica — transforma a aprendizagem em experiência viva, significativa e interdisciplinar.
Em um mundo saturado de informações, a narrativa oferece aquilo que mais falta à educação: sentido. Quando um conteúdo se torna história, ele ganha contexto, emoção, personagens, conflitos e trajetórias. Deixa de ser um dado isolado e passa a fazer parte de uma jornada. O aluno deixa de ser espectador passivo e se torna viajante, protagonista, autor ou testemunha de um enredo em movimento.
Como metodologia criativa e interdisciplinar, o storytelling permite que diferentes áreas do conhecimento se entrelacem, que os estudantes desenvolvam sua expressão oral, escrita e artística, e que valores como escuta, empatia e protagonismo sejam exercitados de forma natural. Além disso, favorece a aprendizagem significativa, pois os saberes são organizados em narrativas com começo, meio e fim — mas com espaço para múltiplos desfechos.
Contar histórias na escola, portanto, não é apenas entreter. É educar com sensibilidade, profundidade e criatividade, abrindo caminhos para uma formação mais humana, crítica e integradora.
O que é storytelling e como ele se aplica à educação?
Storytelling pode ser definido como a prática de construir e comunicar narrativas com estrutura, intenção e significado. Trata-se de uma técnica que organiza informações de forma sequencial e lógica — geralmente com um enredo que inclui personagens, conflitos e resoluções — com o objetivo de facilitar a compreensão, a memorização e o engajamento do público. No campo educacional, o storytelling se transforma em uma estratégia pedagógica que permite apresentar conteúdos de maneira contextualizada, favorecendo o aprendizado ativo e interdisciplinar.
Sua aplicação na educação ocorre em diferentes níveis: desde a exploração de histórias literárias na Educação Infantil, até a estruturação de problemas e projetos como narrativas no Ensino Médio. Pode ser utilizado para explicar conceitos complexos, introduzir um tema, promover reflexão ética ou até mesmo como forma de avaliação em formato narrativo. O storytelling não se limita à oralidade — também pode ser incorporado em projetos de escrita, produções audiovisuais, narrativas digitais e dramatizações.
Do ponto de vista didático, o storytelling contribui para:
a organização do pensamento do estudante;
o desenvolvimento da linguagem e da capacidade argumentativa;
a valorização da escuta ativa e da comunicação empática;
a compreensão de conceitos por meio de contextos e exemplos simbólicos.
Por sua estrutura flexível, o storytelling permite a adaptação a diferentes áreas do conhecimento e níveis de ensino, mantendo-se como uma ferramenta eficaz para mediar a aprendizagem de forma engajadora, reflexiva e significativa.
Por que storytelling é uma metodologia criativa e interdisciplinar?
O storytelling, quando assumido como estratégia pedagógica, transcende sua função comunicativa e se transforma em uma metodologia ativa, criativa e integradora. Ao narrar, dramatizar ou construir histórias, o estudante não apenas aprende conteúdos, mas desenvolve competências que atravessam diferentes áreas do saber — como criatividade, organização de ideias, empatia, expressão e pensamento crítico.
Criatividade e autoria
Narrar é criar. Seja escrevendo uma história original, adaptando um conto tradicional ou encenando um enredo, o estudante exercita sua imaginação, inventa personagens, elabora mundos e toma decisões narrativas. Isso o posiciona como autor do conhecimento, o que amplia seu engajamento e senso de pertencimento à aprendizagem.
Integração de múltiplas linguagens
A contação de histórias envolve elementos orais, escritos, visuais, sonoros e corporais. Essa diversidade permite ao educador integrar:
linguagem verbal e não verbal,
artes visuais e cênicas,
tecnologias digitais e analógicas,
e até movimento e música.
Trata-se de uma prática essencialmente multimodal, que potencializa diferentes formas de aprender e se expressar.
Conexão entre disciplinas
Um bom enredo pode atravessar várias áreas do conhecimento. Por exemplo:
um conto ambientado na Idade Média permite discutir História, Geografia e Literatura;
um personagem que resolve problemas matemáticos estimula o raciocínio lógico;
uma narrativa sobre mudanças climáticas conecta Ciências, Língua Portuguesa e Ética.
Assim, o storytelling não compartimentaliza o saber — ele articula diferentes campos em torno de uma vivência simbólica comum.
Projetos com começo, meio e fim — mas com caminhos abertos
Uma história tem estrutura, mas não é rígida. O storytelling permite planejamento, mas também improvisação, criação coletiva e reinterpretação. É uma metodologia que ensina a organizar ideias sem engessar a criatividade, favorecendo o desenvolvimento de competências como resolução de problemas, colaboração e construção de sentido.
Formas de aplicar storytelling na prática educativa
O storytelling é uma metodologia extremamente flexível e adaptável às diferentes etapas de ensino, áreas do conhecimento e realidades escolares. Suas aplicações vão desde práticas orais mais tradicionais até projetos digitais, dramatizações, jogos narrativos e produção de conteúdos multimídia. A seguir, apresentamos diversas formas de aplicar o storytelling na prática pedagógica, sempre com intencionalidade didática e espaço para a criação.
1. Contação oral tradicional
O professor narra histórias com ou sem o uso de objetos simbólicos, bonecos, livros ilustrados, instrumentos musicais ou recursos sonoros. É ideal para os anos iniciais, mas também pode ser usado no ensino médio como disparador de discussões éticas, históricas ou sociais.
2. Teatro narrativo, sombras e fantoches
Dramatizações simples baseadas em contos, lendas, biografias ou temas curriculares permitem que os estudantes atuem como narradores, personagens ou sonoplastas. Essa forma de storytelling valoriza a linguagem corporal e a colaboração.
3. Histórias digitais e transmídia
Com ferramentas como Canva, StoryJumper, Book Creator, Scratch, Genially ou Padlet, os alunos podem construir narrativas interativas com imagens, vídeos, sons e links. Essa modalidade de storytelling amplia a multimodalidade e pode ser integrada a projetos interdisciplinares.
4. Problemas matemáticos e científicos narrados
Transformar problemas em desafios vivenciados por personagens é uma forma eficaz de trabalhar raciocínio lógico e resolução de problemas. O estudante acompanha uma história, identifica o obstáculo e aplica conhecimentos para superá-lo.
5. Escrita criativa individual e coletiva
Propor que os estudantes criem narrativas com base em objetos, notícias, imagens ou mapas é uma excelente forma de desenvolver habilidades de escrita, coesão textual, empatia e criatividade. A produção pode ser feita em grupos, com capítulos divididos entre equipes.
6. Podcasts narrativos
Produzir narrativas em áudio é uma forma acessível e cativante de trabalhar storytelling. Os alunos escrevem roteiros, interpretam vozes, criam trilhas e publicam suas histórias — um exercício completo de linguagem, oralidade e produção digital.
7. Jogos narrativos e RPGs educativos
Simulações baseadas em histórias com múltiplas possibilidades de escolha envolvem os estudantes em jornadas interativas, onde cada decisão impacta o enredo. Isso desenvolve raciocínio, argumentação e cooperação, além de gerar forte engajamento.
8. Storytelling como disparador de projetos interdisciplinares
Um enredo inicial pode ser o ponto de partida para um projeto inteiro: por exemplo, a história de um viajante fictício pode gerar tarefas em geografia, ciências, arte e matemática, todas conectadas ao percurso e aos dilemas vividos pelo personagem.
Storytelling como ferramenta de interdisciplinaridade
Um dos maiores potenciais do storytelling é sua capacidade de integrar diferentes áreas do conhecimento em torno de uma narrativa comum. Ao criar ou explorar histórias, os estudantes mergulham em contextos que exigem múltiplas competências: ler, interpretar, escrever, calcular, localizar, argumentar, imaginar, representar e resolver problemas. Por isso, o storytelling se mostra uma ferramenta pedagógica poderosa para a prática interdisciplinar.
Em vez de trabalhar conteúdos de forma fragmentada, o educador pode usar uma narrativa como eixo articulador, permitindo que as disciplinas dialoguem naturalmente a partir da experiência vivida ou construída pelos alunos.
Exemplos de articulações interdisciplinares com storytelling:
Língua Portuguesa + História + Arte
Narrar a trajetória de um personagem fictício durante um período histórico (por exemplo, um escravizado no século XIX, uma mulher na Idade Média ou um estudante durante a ditadura militar) permite discutir fatos históricos, desenvolver textos em primeira pessoa e representar visualmente os cenários.Ciências + Geografia + Educação Ambiental
A história de um animal ameaçado de extinção pode levar os estudantes a estudar ecossistemas, compreender desequilíbrios ambientais, mapear regiões e criar campanhas de conscientização a partir de uma perspectiva narrativa.Matemática + Tecnologia + Educação Financeira
Um personagem que deseja montar um pequeno negócio pode gerar atividades de cálculo de custos, projeção de lucros, organização de planilhas e apresentação de soluções com gráficos, vídeos ou infográficos.Educação Física + Literatura + Música
A construção de uma narrativa coletiva, inspirada em mitos ou contos populares, pode se desdobrar em coreografias, trilhas sonoras originais e dramatizações, envolvendo movimento, expressão corporal, ritmo e oralidade.Filosofia + Sociologia + Artes
A narração de dilemas éticos, existenciais ou sociais (ex: uma decisão difícil, um conflito coletivo ou uma injustiça histórica) pode gerar debates, ensaios filosóficos, criações plásticas ou performances poéticas.
O storytelling, portanto, não apenas favorece a interdisciplinaridade — ele a exige. Ao trabalhar com histórias, os conteúdos escolares ganham contexto, humanidade e emoção. Em vez de disciplinas isoladas, o aluno enxerga o conhecimento como um todo conectado, compreendendo melhor sua função no mundo e seu papel como sujeito ativo da própria aprendizagem.
Benefícios do storytelling para o desenvolvimento integral do estudante
Mais do que uma técnica de ensino, o storytelling é uma ferramenta formativa que atua em diversas dimensões do desenvolvimento humano: cognitiva, emocional, linguística, social, criativa e ética. Ao escutar, construir ou compartilhar histórias, os estudantes não apenas aprendem conteúdos, mas também se conhecem melhor, desenvolvem empatia e encontram formas mais autênticas de expressão.
A seguir, destacamos os principais benefícios do storytelling na formação integral:
1. Estímulo à criatividade e à imaginação
Narrar é um exercício de criação. Os estudantes inventam personagens, mundos, conflitos e soluções, desenvolvendo o pensamento criativo e a capacidade de gerar ideias originais. Isso contribui para a resolução de problemas e para a inovação em qualquer área do conhecimento.
2. Ampliação do repertório linguístico e cultural
O contato com diferentes tipos de narrativa — fábulas, contos, mitos, biografias, histórias de vida — enriquece o vocabulário, aprimora a estruturação do discurso e expande a compreensão sobre diferentes culturas, tempos e realidades.
3. Desenvolvimento da empatia e da escuta ativa
Ao se colocar no lugar de um personagem ou escutar atentamente a história de alguém, o estudante exercita a empatia e a compreensão do outro. A escuta sensível, essencial na contação de histórias, se torna também uma prática de convivência ética.
4. Organização do pensamento e da expressão
Para criar uma narrativa coerente, é necessário ordenar ideias, respeitar a lógica do tempo, selecionar informações relevantes e articular causa e consequência. Isso desenvolve habilidades cognitivas essenciais para a escrita, o discurso oral e a argumentação.
5. Construção de identidade e autoria
Ao contar suas próprias histórias ou dar voz a personagens com os quais se identificam, os estudantes refletem sobre si mesmos, suas origens, desejos e crenças. O storytelling se torna um instrumento de autoconhecimento, autoestima e pertencimento.
6. Maior engajamento e retenção de conteúdos
Quando o conteúdo é apresentado em forma de história, ele se torna mais envolvente e memorável. A narrativa ativa áreas do cérebro relacionadas à emoção e à imaginação, facilitando a compreensão e a fixação do conhecimento.
Assim, o storytelling contribui para uma educação que forma não apenas mentes informadas, mas pessoas sensíveis, criativas e preparadas para escutar, dialogar e transformar o mundo.
Recursos gratuitos e acessíveis para educadores
A beleza do storytelling está em sua simplicidade e versatilidade. Não é necessário ter grandes recursos tecnológicos ou materiais sofisticados para começar a trabalhar com narrativas em sala de aula. Com criatividade, planejamento e os materiais certos, qualquer educador pode desenvolver experiências significativas usando histórias como eixo pedagógico.
A seguir, uma seleção de recursos gratuitos e acessíveis para inspirar e apoiar práticas de storytelling:
1. Acervos de histórias e textos narrativos
Domínio Público (https://www.dominiopublico.gov.br)
Biblioteca digital com obras literárias clássicas disponíveis gratuitamente para leitura, impressão e adaptação.Brasil em Prosa – FNDE
Coletânea com contos e crônicas produzidos por professores e estudantes brasileiros, acessível em PDF para leitura e uso pedagógico.Biblioteca Internacional Digital para Crianças (ICDL)
Livros infantis gratuitos em vários idiomas, com acesso online e por faixa etária.
https://www.childrenslibrary.org
2. Podcasts de histórias
Coisa de Criança
Podcast com contação de histórias para crianças de forma divertida, simples e educativa.
https://coisadecrianca.com.brHistórias de Ninar para Garotas Rebeldes
Versão em áudio da famosa coletânea de biografias inspiradoras narradas em formato de conto.Era Uma Vez… Um Podcast
Histórias clássicas e originais com produção sonora envolvente, ideal para projetos de escuta ativa e recontagem oral.
3. Ferramentas digitais para criar histórias
Canva (https://www.canva.com)
Ferramenta para criar livros ilustrados, quadrinhos, mapas narrativos e apresentações visuais com modelos prontos e intuitivos.StoryJumper (https://www.storyjumper.com)
Plataforma gratuita para criação de livros infantis digitais, com recursos de texto, imagem, áudio e ilustração personalizada.Book Creator (https://bookcreator.com)
Ambiente digital para produção de livros interativos com som, vídeo, narração e imagens. Possui plano gratuito para educadores.Scratch (https://scratch.mit.edu)
Plataforma de programação por blocos onde os alunos podem criar histórias animadas com personagens, falas e cenários.
4. Plataformas e tutoriais
YouTube – Contação de histórias e oficinas
Canais como “Era Uma Vez”, “Teca Oficina de Histórias” e “Letramento” oferecem tutoriais, contações ao vivo, sugestões de atividades e projetos temáticos.Sympla Educa
Plataforma com oficinas gratuitas e pagas sobre contação de histórias, narrativa oral, escrita criativa e leitura sensível.
Esses recursos permitem que o educador explore diferentes formatos narrativos, valorize a produção dos alunos e estimule a autoria, a escuta e o trabalho colaborativo, com baixo custo e alto impacto educativo.
Conexões com a BNCC e com as competências contemporâneas
O uso do storytelling na educação está profundamente alinhado aos princípios da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), especialmente no que diz respeito à formação integral, ao desenvolvimento de competências gerais e à valorização da linguagem como forma de expressão, comunicação e criação de sentido.
Ao trabalhar com histórias — ouvindo, criando, interpretando ou dramatizando — os estudantes desenvolvem habilidades cognitivas, emocionais, linguísticas e sociais, todas previstas e incentivadas pela BNCC.
Competências gerais diretamente mobilizadas pelo storytelling:
Competência 4 – Comunicação
Contar histórias requer clareza, coesão, uso adequado da linguagem oral e escrita, e domínio de diferentes linguagens (verbal, visual, sonora). O storytelling promove escuta ativa, expressão pessoal e diálogo respeitoso.Competência 8 – Autoconhecimento e autocuidado
Ao criar ou se identificar com personagens e enredos, os alunos refletem sobre si, sobre suas emoções e escolhas, fortalecendo o autoconhecimento, a autoestima e a autorregulação emocional.Competência 9 – Empatia e cooperação
O storytelling promove o contato com diferentes pontos de vista, culturas e experiências. Estimula a empatia, a valorização da diversidade e o respeito às diferenças, por meio de narrativas reais ou ficcionais.Competência 2 – Pensamento científico, crítico e criativo
Narrar exige imaginar, resolver conflitos, organizar ideias e encontrar soluções. Em projetos interdisciplinares, o storytelling ativa a capacidade de observar, argumentar, investigar e criar com sentido.Competência 6 – Responsabilidade e protagonismo
A produção coletiva de histórias, o planejamento de projetos narrativos e a tomada de decisões dentro de enredos favorecem a autonomia, a liderança e o exercício da responsabilidade compartilhada.
Além disso, o storytelling pode ser aplicado como estratégia didática em todos os componentes curriculares, apoiando o desenvolvimento das competências específicas de cada área — da alfabetização ao pensamento histórico, da linguagem matemática à compreensão do mundo natural e social.
Contar histórias na escola, portanto, não é apenas uma forma de ensinar. É um gesto pedagógico que humaniza, integra e amplia o ato de aprender, tornando-o mais significativo, sensível e conectado com os desafios do presente e do futuro.
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