Como referenciar este texto: Usando IA para adaptar avaliações: um guia prático para professores. Rodrigo Terra. Publicado em: 11/12/2025. Link da postagem: https://www.makerzine.com.br/educacao/usando-ia-para-adaptar-avaliacoes-um-guia-pratico-para-professores/.
A inteligência artificial (IA) já está transformando a forma como planejamos aulas, produzimos materiais e acompanhamos a aprendizagem. Mas um dos campos em que ela tem maior potencial – e ao mesmo tempo gera mais dúvidas – é o das avaliações. Como usar IA para criar atividades realmente alinhadas aos objetivos de aprendizagem, respeitando ritmos diferentes, sem cair em automatismos superficiais ou em riscos éticos?
Neste artigo, vamos tratar especificamente do uso da IA para adaptar avaliações: adequar nível de dificuldade, formato, linguagem, contexto e feedback às necessidades dos estudantes. A proposta é ir além do “gerador de testes” e discutir como colocar a IA a serviço de uma avaliação mais formativa, inclusiva e alinhada a metodologias ativas.
O foco é oferecer referências concretas para professoras e professores da Educação Básica e do Ensino Superior, independentemente do nível de familiaridade com tecnologia. A ideia é que você consiga sair com um roteiro de experimentação: o que pedir para a IA, como revisar o que ela produz e de que forma integrar isso ao seu planejamento.
Ao longo do texto, vamos discutir tipos de adaptação possíveis, estratégias de uso em sala, cuidados éticos e de privacidade, além de exemplos de prompts que podem ser testados em diferentes disciplinas. Use este conteúdo como ponto de partida para construir, de forma crítica, o seu próprio jeito de trabalhar com IA em avaliação.
Por que adaptar avaliações com IA (e não só automatizar provas)
Quando se fala em IA na avaliação, muita gente pensa imediatamente em “corrigir provas mais rápido” ou “gerar testes em um clique”. Essa automatização pode até economizar tempo, mas, isoladamente, pouco contribui para melhorar a aprendizagem. Adaptar avaliações com IA significa algo diferente: é usar a tecnologia para aproximar a avaliação dos objetivos pedagógicos, dos contextos reais dos estudantes e das evidências que você precisa para tomar decisões didáticas mais conscientes.
Ao invés de produzir listas padronizadas, a IA pode ajudar a calibrar o nível de desafio, reformular enunciados em linguagens mais acessíveis, criar variações da mesma habilidade para diferentes perfis de estudante e sugerir feedbacks personalizados. Isso favorece uma avaliação mais formativa, em que o foco é compreender o raciocínio do aluno, identificar onde estão as dificuldades e oferecer caminhos de melhora. Em outras palavras, a IA não substitui o julgamento profissional do professor, mas amplia o repertório de formas de perguntar e de devolver respostas significativas.
Outro ponto central é a inclusão. Em turmas heterogêneas, um mesmo modelo de prova tende a beneficiar quem já domina o conteúdo e a excluir quem precisa de mais mediação. Ao adaptar avaliações com IA, você pode gerar versões com textos mais curtos, exemplos culturalmente relevantes, suportes visuais ou etapas intermediárias de resolução, sem precisar reescrever tudo do zero. Isso é especialmente valioso para estudantes com defasagens, necessidades específicas ou que estão em processo de alfabetização científica, matemática ou letrada.
Também há um ganho na coerência entre avaliação e metodologias ativas. Se você trabalha com projetos, investigação ou aprendizagem baseada em problemas, não faz sentido que a avaliação seja apenas um teste de múltipla escolha descontextualizado. A IA pode apoiar na criação de rubricas, roteiros de autoavaliação, perguntas abertas e situações-problema alinhadas às experiências de sala de aula. Assim, a avaliação deixa de ser um momento à parte e passa a dialogar diretamente com as práticas investigativas e colaborativas que você já desenvolve.
Por fim, adaptar avaliações com IA implica assumir uma postura crítica diante da própria tecnologia. Não se trata de aceitar qualquer sugestão da máquina, mas de usá-la como um parceiro de rascunho: você pede, explora alternativas, revisa, corrige vieses e ajusta ao seu contexto. O critério pedagógico, ético e humano continua sendo o do professor. A diferença é que, com o apoio da IA, fica mais viável desenhar percursos avaliativos variados, sensíveis às diferenças e alinhados a uma visão de aprendizagem contínua, e não apenas de verificação pontual.
Tipos de adaptação possíveis com IA: conteúdo, forma e apoio
Quando falamos em adaptar avaliações com IA, é útil separar o que pode ser ajustado em três grandes eixos: conteúdo, forma e apoio. A adaptação de conteúdo diz respeito ao que exatamente está sendo cobrado: os conceitos, os exemplos, o contexto cultural, o nível de profundidade e o grau de abstração. Já a adaptação de forma está ligada ao tipo de tarefa proposta (questões abertas, múltipla escolha, projetos, estudos de caso, desafios práticos etc.) e à maneira como o enunciado é estruturado. Por fim, a adaptação de apoio envolve o quanto de ajuda o estudante recebe durante a realização da atividade, como dicas graduais, releituras simplificadas, glossários e feedbacks orientadores.
No eixo do conteúdo, a IA pode ser usada para gerar versões de uma mesma questão com níveis de complexidade diferentes, mantendo o mesmo objetivo de aprendizagem. Por exemplo: em uma prova de Ciências, você pode pedir à IA que crie três versões de um problema sobre fotossíntese, uma mais básica (focada em identificar conceitos), outra intermediária (explicando processos) e uma avançada (relacionando fotossíntese a temas ambientais). Também é possível adaptar o vocabulário e o repertório cultural, pedindo que os exemplos dialoguem com a realidade local dos estudantes ou respeitem recortes específicos de gênero, raça e território, o que é essencial para tornar a avaliação mais inclusiva.
Na dimensão da forma, a IA ajuda a transformar um mesmo objetivo avaliativo em formatos distintos, o que é útil para estudantes com diferentes perfis de aprendizagem. Uma habilidade de interpretação de texto, por exemplo, pode ser avaliada com uma questão dissertativa, um quiz de múltipla escolha, uma tarefa de completar lacunas ou até um roteiro para gravação de áudio ou vídeo. Você pode solicitar à IA: “Reescreva esta questão em três formatos diferentes, mantendo o mesmo objetivo de aprendizagem”, e depois revisar cuidadosamente o resultado. Essa diversificação de formatos favorece tanto alunos que se expressam melhor por escrito quanto aqueles que se dão melhor em tarefas práticas ou orais.
Já o eixo de apoio concentra talvez o maior potencial transformador. Em vez de apenas gerar a questão “final”, a IA pode produzir andaimes (scaffolding) para a realização da atividade: pistas graduais, perguntas-guia, checklists, exemplos resolvidos passo a passo e versões simplificadas do enunciado. Você pode, por exemplo, criar um conjunto de dicas sequenciais que o estudante pode consultar apenas se sentir necessidade, preservando o desafio, mas evitando frustrações excessivas. A mesma lógica se aplica ao feedback: a IA pode sugerir comentários diferenciados para respostas corretas, parcialmente corretas e incorretas, priorizando orientações que ajudem o estudante a entender o erro e a planejar os próximos passos.
Para articular os três tipos de adaptação, faz diferença planejar antes de abrir o chat com a IA: definir qual objetivo de aprendizagem está em jogo, que recortes de conteúdo fazem sentido para a sua turma, quais formatos dialogam com a proposta pedagógica da disciplina e que tipo de apoio é adequado ao nível de autonomia da turma. A partir dessa clareza, você pode construir prompts mais específicos, como: “Reescreva esta questão em linguagem mais simples, mantenha o mesmo conceito de matemática, ofereça duas versões de dificuldade e proponha uma sequência de três dicas graduais para quem errar”. Assim, o uso da IA deixa de ser um atalho aleatório e passa a ser uma ferramenta integrada ao seu projeto de avaliação formativa.
Desenhando trilhas de dificuldade: da adaptação manual à adaptativa
Ao pensar em adaptar avaliações com IA, uma imagem útil é a de “trilhas de dificuldade”. Em vez de oferecer uma prova única e rígida para toda a turma, o professor passa a desenhar percursos graduais: começo com questões mais acessíveis, avanço para desafios intermediários e, por fim, exploro tarefas complexas que exigem análise, síntese e criação. Tradicionalmente, essa adaptação era feita de forma manual: o docente montava diferentes versões de listas, provas ou projetos, tentando equilibrar expectativas institucionais, tempo de preparo e as necessidades individuais de dezenas de estudantes.
A IA entra nesse cenário como uma aliada para acelerar e refinar esse desenho. A partir de um mesmo objetivo de aprendizagem, é possível pedir que o sistema gere conjuntos de itens em três ou quatro níveis de dificuldade, variando não só o grau de abstração da pergunta, mas também a linguagem, o contexto e o suporte oferecido (exemplos, pistas, decomposição em etapas). Em vez de partir da dificuldade “média” e ir ajustando caso a caso, o professor começa a planejar intencionalmente uma trilha escalonada, que depois pode ser atribuída a grupos ou indivíduos conforme diagnósticos prévios, autoavaliações ou resultados de atividades anteriores.
Um segundo movimento é incorporar elementos adaptativos, aproximando-se do que fazem as chamadas avaliações adaptativas computadorizadas. Aqui, não se trata apenas de ter três versões de uma mesma prova, mas de permitir que o nível de dificuldade se ajuste em tempo quase real às respostas dos estudantes. Por exemplo, a IA pode ser usada para gerar bancos de questões com metadados claros (habilidade, nível de complexidade, tipo de raciocínio). Em uma atividade digital, o sistema pode selecionar itens mais fáceis após uma sequência de erros, ou mais desafiadores quando o aluno demonstra segurança, formando trajetórias personalizadas dentro das trilhas pré-planejadas pelo professor.
Mesmo sem plataformas complexas, já é possível simular esse comportamento adaptativo usando recursos simples. O professor pode criar, com apoio da IA, roteiros ramificados: se o estudante acerta determinada questão, segue para um bloco de aprofundamento; se encontra dificuldade, recebe questões de reforço, exemplos adicionais ou explicações guiadas. Esses roteiros podem ser implementados em formulários online, ambientes virtuais de aprendizagem ou até em materiais impressos com instruções do tipo “se você marcou a alternativa B, vá para a questão 5; se marcou C ou D, revise o exemplo da página anterior”. A IA ajuda a multiplicar rapidamente as variações necessárias, mantendo a coerência pedagógica do percurso.
O ponto central é que desenhar trilhas de dificuldade não significa delegar à IA a definição do que é fácil ou difícil, mas explicitar critérios pedagógicos e traduzi-los em pedidos claros ao sistema: quais pré-requisitos estão envolvidos, quais erros comuns aparecem, que tipo de apoio faz sentido oferecer em cada etapa. Ao combinar adaptação manual (intencionalidade docente, conhecimento da turma, alinhamento ao currículo) com elementos adaptativos automatizados (seleção dinâmica de itens, variação de suporte e feedback), o professor constrói experiências avaliativas mais responsivas. A tecnologia deixa de ser um atalho preguiçoso e passa a funcionar como amplificador da capacidade humana de acompanhar ritmos diversos de aprendizagem.
Personalização e inclusão: acessibilidade, linguagem e contexto
Quando falamos em adaptar avaliações com IA, personalização não significa apenas “facilitar” ou “dificultar” questões, mas considerar de forma intencional acessibilidade, linguagem e contexto sociocultural dos estudantes. Ferramentas de IA podem ajudar a reescrever enunciados com frases mais curtas, vocabulário mais simples ou explicações adicionais, sem alterar o objetivo pedagógico central. Também é possível gerar versões com apoio visual, exemplos concretos ou instruções passo a passo, tornando a tarefa mais acessível para estudantes com diferentes estilos de aprendizagem ou necessidades específicas, como déficit de atenção ou dificuldades de leitura.
A acessibilidade inclui ainda pensar em múltiplos modos de apresentação e resposta. Com IA, o professor pode criar rapidamente alternativas em formato de áudio (roteiros que podem ser lidos por leitores de tela), descrições detalhadas de imagens, tabelas transformadas em texto corrido ou perguntas que permitam respostas orais em vez de exclusivamente escritas. Ao revisar o material sugerido pela IA, o docente precisa checar se as adaptações realmente ajudam a remover barreiras, evitando reforçar estigmas ou subestimar a capacidade dos estudantes. É importante documentar essas escolhas, registrando quais critérios de acessibilidade foram considerados e por quê.
A linguagem também é um eixo central de inclusão. Muitos estudantes se sentem excluídos quando os enunciados usam jargões excessivos, referências distantes da sua realidade ou estruturas sintáticas muito complexas. A IA pode ser usada para gerar versões do mesmo item em diferentes níveis de linguagem, mantendo o mesmo constructo avaliado. O professor pode solicitar, por exemplo, “reformular este enunciado para um estudante do 6º ano que não domina termos técnicos” ou “substituir metáforas difíceis por exemplos concretos do cotidiano escolar”. Depois, cabe ao docente comparar as versões, escolher a mais adequada e, se necessário, refinar ainda mais o texto.
Contexto sociocultural é outro aspecto em que a IA pode apoiar, mas que exige senso crítico redobrado. É possível pedir que o sistema crie exemplos e situações-problema relacionados a realidades diversas – escolas do campo, periferias urbanas, comunidades indígenas ou quilombolas, entre outras. Isso amplia a representatividade e faz com que mais estudantes se reconheçam nas avaliações. Ao mesmo tempo, o professor precisa revisar os enunciados com cuidado para evitar estereótipos, generalizações ou simplificações ofensivas. A IA deve ser vista como um gerador de possibilidades, não como autoridade sobre contextos que ela não vivencia.
Por fim, personalizar com foco em inclusão significa também pensar em como os resultados das avaliações serão devolvidos aos estudantes. A IA pode apoiar na elaboração de feedbacks diferenciados: explicações mais detalhadas para quem errou, sugestões de estudo personalizadas e mensagens encorajadoras que levem em conta o esforço e o processo, não apenas a nota. Esses retornos podem ser adaptados em linguagem, extensão e formato, respeitando a maturidade e as necessidades de cada turma. O papel do professor é filtrar, ajustar o tom, garantir o alinhamento com o projeto pedagógico da escola e usar essas devolutivas como ponto de partida para novas intervenções e para o acompanhamento contínuo da aprendizagem.
IA como parceira na elaboração de rubricas e feedbacks formativos
Quando pensamos em IA na avaliação, é comum imaginar apenas a correção automática de testes. Mas um dos usos mais ricos para a prática pedagógica está na elaboração de rubricas e na produção de feedbacks formativos. Nessa perspectiva, a IA deixa de ser um atalho para “dar nota mais rápido” e passa a funcionar como uma parceira intelectual, ajudando a explicitar critérios de qualidade, a descrever níveis de desempenho e a sugerir devolutivas que orientem o próximo passo de cada estudante. O papel docente não é substituído: é o de desenhista, curador e revisor desses instrumentos.
Para a construção de rubricas, a IA pode apoiar desde a etapa de brainstorming até o refinamento da linguagem. Por exemplo, você pode fornecer objetivos de aprendizagem, tipo de tarefa (um experimento, um ensaio, uma apresentação oral) e solicitar à IA que proponha critérios alinhados a essas metas, em níveis graduados de desempenho. Em seguida, o professor revisa: ajusta termos muito genéricos, retira aspectos que não fazem sentido para o contexto local, insere exemplos concretos e verifica se a descrição dos níveis não reforça visões deficitárias dos estudantes. A IA acelera o processo de rascunho; a autoria pedagógica permanece humana.
Na dimensão dos feedbacks formativos, a IA pode ajudar a personalizar a devolutiva sem perder a coerência com a rubrica. Uma estratégia efetiva é pedir à IA que gere modelos de feedback com base em cada nível de desempenho previsto nos critérios, variando o tom (mais encorajador, mais diretivo, mais detalhado) e a complexidade da linguagem conforme a etapa de escolaridade. Depois, você adapta essas bases ao trabalho real dos estudantes, evitando o risco de respostas genéricas. Assim, o feedback deixa de ser apenas “certo/errado” e passa a destacar conquistas, apontar lacunas específicas e sugerir caminhos de aprofundamento.
Outra possibilidade potente é envolver os próprios estudantes na co-construção de rubricas e feedbacks, utilizando a IA como mediadora. A turma pode, por exemplo, analisar uma primeira proposta de rubrica produzida pela IA e sugerir ajustes de vocabulário, incluir critérios de colaboração ou criatividade, e discutir o que significa, concretamente, “atingir” cada nível. Do mesmo modo, podem comparar diferentes versões de feedback geradas pela IA para um mesmo trabalho fictício e debater qual delas realmente ajuda a aprender, desenvolvendo metacognição e senso crítico sobre a avaliação.
Por fim, é essencial manter uma postura ética e reflexiva nesse uso. As rubricas e feedbacks criados com apoio de IA precisam respeitar a diversidade cultural e linguística da turma, evitar vieses discriminatórios e proteger dados sensíveis dos estudantes. Sempre que possível, vale explicitar aos alunos que há uso de IA na preparação desses materiais e abrir espaço para que comentem se a linguagem está clara, se se sentem representados e se o feedback faz sentido para o que sabem e podem fazer. Assim, a IA fortalece uma cultura de avaliação formativa, dialógica e inclusiva, em vez de reforçar modelos de controle e padronização.
Cuidados éticos, privacidade e vieses na avaliação com IA
Ao incorporar sistemas de inteligência artificial na elaboração e correção de avaliações, o primeiro cuidado é reconhecer que essas ferramentas não são neutras. Elas refletem decisões de quem as programou, os dados com que foram treinadas e as regras definidas para seu funcionamento. Isso significa que, se um modelo foi treinado majoritariamente com textos de determinado grupo social, cultural ou linguístico, há risco de que suas sugestões favoreçam esse grupo e invisibilizem outros. Para o docente, o passo inicial é adotar uma postura crítica: usar a IA como apoio, nunca como autoridade absoluta, e revisar cuidadosamente qualquer item de avaliação antes de colocá-lo em prática.
A privacidade dos estudantes é outro eixo central. Sempre que um professor copia e cola respostas de alunos em um chatbot ou ferramenta online, pode estar compartilhando dados sensíveis com terceiros, ainda que de forma involuntária. Boas práticas incluem: anonimizar qualquer informação pessoal, evitar inserir dados de identificação (nome, e-mail, número de matrícula) e, sempre que possível, utilizar plataformas institucionais que tenham termos de uso claros, acordos de confidencialidade e armazenamento de dados em conformidade com legislações como a LGPD. Além disso, é importante comunicar aos estudantes quando e como a IA está sendo usada no processo avaliativo, garantindo transparência.
Em relação aos vieses, eles podem se manifestar de diversas formas: na seleção de exemplos, no tipo de linguagem sugerida, na suposição de determinados contextos familiares ou socioeconômicos e até na forma como erros são interpretados. Por isso, ao pedir que a IA gere questões, rubricas ou feedbacks, vale especificar critérios de inclusão, como diversidade de nomes, contextos culturais variados e linguagem acessível. Em seguida, o professor deve filtrar o material com olhar atento a estereótipos, generalizações ou pressupostos discriminatórios, ajustando ou descartando o que não estiver adequado.
Também é essencial discutir com a turma os limites da IA em avaliação. Ferramentas que geram respostas prontas podem ser usadas tanto para apoiar estudos quanto para fraudes acadêmicas, dependendo de como são apresentadas e integradas ao currículo. Uma abordagem ética passa por explicitar expectativas de integridade, propor tarefas que valorizem o processo (rascunhos, justificativas, reflexões metacognitivas) e desenhar atividades em que o uso declarado da IA faça parte do aprendizado, por exemplo, pedindo que os alunos analisem criticamente uma resposta gerada pela máquina, corrijam erros e complementem com referências confiáveis.
Por fim, o compromisso ético do professor envolve monitorar continuamente o impacto da IA nos resultados de avaliação e na experiência dos estudantes. Se determinado tipo de uso está aumentando desigualdades (por exemplo, favorecendo quem tem mais acesso e familiaridade tecnológica), é sinal de que ajustes são necessários: oferecer orientações adicionais, propor alternativas offline, diversificar instrumentos avaliativos e envolver a comunidade escolar na construção de diretrizes. A IA pode ser uma aliada poderosa para tornar as avaliações mais justas e personalizadas, desde que seja guiada por princípios claros de responsabilidade, equidade e respeito à privacidade.
Roteiro prático para começar a usar IA na adaptação de avaliações
Para começar a usar IA na adaptação de avaliações, o primeiro passo é definir com clareza o objetivo pedagógico da atividade. Antes de abrir qualquer ferramenta, registre em poucas linhas quais habilidades ou conhecimentos você quer avaliar, qual o nível de complexidade esperado e quais limitações precisa considerar (tempo de aula, recursos, perfil da turma). Em seguida, transforme essas decisões em um pequeno briefing que você poderá copiar e colar nos prompts: ano/série, disciplina, objetivos de aprendizagem, tipo de avaliação (formativa, diagnóstica, somativa) e possíveis adaptações desejadas (linguagem mais simples, apoio visual, diferentes níveis de dificuldade).
Com esse briefing em mãos, o segundo passo é testar prompts básicos para geração ou adaptação de itens. Você pode começar pedindo à IA: “Reescreva esta questão para três níveis de dificuldade (básico, intermediário, avançado), mantendo o mesmo objetivo de aprendizagem” ou “Adapte este enunciado para uma linguagem adequada ao 6º ano, preservando o conteúdo científico correto”. Outro uso inicial é solicitar variações de formato: pedir para transformar uma questão dissertativa em múltipla escolha ou em um estudo de caso contextualizado. Nessa etapa, o foco não é aceitar tudo que a IA oferece, mas explorar possibilidades e entender como a ferramenta responde às suas orientações.
O terceiro passo é estabelecer um protocolo de revisão docente. Sempre revise os itens gerados ou adaptados, conferindo correção conceitual, alinhamento ao currículo, nível de dificuldade real e possíveis vieses culturais ou estereótipos. Uma estratégia prática é usar a própria IA como apoio crítico, pedindo: “Analise estas questões e indique possíveis ambiguidades, preconceitos ou erros conceituais”. Ainda assim, a decisão final deve ser sua: selecione, edite, combine itens e, quando necessário, simplifique ou complemente com materiais autorais para garantir que a avaliação reflita o seu projeto pedagógico.
Um quarto passo é planejar como essas avaliações adaptadas serão aplicadas e usadas na prática. Você pode, por exemplo, criar versões com diferentes graus de apoio (pistas, glossário, passos intermediários) para grupos de estudantes com necessidades distintas, mantendo o mesmo objetivo central. Também é possível usar a IA para criar feedbacks-modelo, como comentários personalizados para respostas típicas: “Se o aluno errar por este motivo, sugira um feedback que o ajude a revisar o conceito sem entregar a resposta pronta”. Integre esses recursos ao seu fluxo normal de correção, para ganhar tempo na elaboração de comentários e conseguir devolutivas mais formativas.
Por fim, estabeleça um ciclo de experimentação e melhoria contínua. Comece pequeno, com uma única prova ou atividade, observe como os estudantes respondem às adaptações e registre o que funcionou melhor (tipo de questão, linguagem, formato do feedback). Use a IA para analisar padrões de desempenho da turma (por exemplo, classificando erros em categorias), sempre garantindo o anonimato dos dados quando necessário. A cada nova aplicação, refine seus prompts e critérios de revisão. Com esse roteiro, a IA deixa de ser um gerador automático de testes e se torna uma parceira para tornar a avaliação mais justa, inclusiva e alinhada às intenções pedagógicas que guiam o seu trabalho.