No momento, você está visualizando Reflexões sobre a mudança de crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas

Reflexões sobre a mudança de crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas

Como referenciar este texto: Reflexões sobre a mudança de crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas. Rodrigo Terra. Publicado em: 17/11/2025. Link da postagem: https://www.makerzine.com.br/educacao/reflexoes-sobre-a-mudanca-de-crencas-sobre-ensino-e-aprendizagem-de-linguas/.


 

Este artigo convida professores e educadores a refletirem criticamente sobre suas crenças pessoais em relação ao ensino de línguas, especialmente diante das mudanças contemporâneas impulsionadas pela tecnologia, diversidade cultural e desafios pós-pandêmicos.

Mudanças nas crenças não ocorrem de forma linear ou automática. Elas envolvem complexos processos de reflexão, revisão de experiências anteriores, exposição a novas ideias e, sobretudo, abertura à transformação.

Ao explorarmos os principais frameworks teóricos que sustentam tais crenças, será possível ampliar a compreensão sobre os fatores que geram mudança, resistência ou ressignificação dentro das práticas educativas relacionadas ao ensino de línguas.

Mais do que oferecer respostas prontas, este texto propõe pistas para desenvolver uma escuta sensível às próprias crenças e às crenças dos estudantes, entendendo suas implicações para o aprendizado linguístico de forma crítica e inovadora.

 

O que são crenças sobre ensino de línguas?

Crenças educacionais são compreendidas como entendimentos pessoais e subjetivos que professores constroem ao longo do tempo, por meio de sua formação acadêmica, experiências profissionais e vivências como aprendizes. No contexto do ensino de línguas, essas crenças incluem concepções sobre os mecanismos de aquisição da linguagem, o papel do professor, o uso da língua materna em sala de aula, a importância da gramática explícita, entre outros aspectos.

Essas ideias nem sempre são conscientes ou fundamentadas em estudos científicos; muitas vezes, são herdadas de experiências escolares passadas, especialmente de professores marcantes, sejam eles positivos ou negativos. Por exemplo, se um docente teve uma experiência positiva com aulas focadas em estrutura gramatical, é provável que acredite que esse seja o melhor método, mesmo diante de evidências em favor de abordagens comunicativas.

Na prática, isso se traduz em decisões pedagógicas que moldam o ambiente de aprendizagem. Um professor que acredita que o erro é uma etapa essencial do processo de aprendizagem tende a criar um espaço seguro para experimentação linguística. Já aquele que associa erro a fracasso pode desencorajar a participação oral dos estudantes. Reconhecer essas crenças é o primeiro passo para repensá-las e transformá-las.

Uma estratégia prática para desenvolver essa consciência é o uso de diários reflexivos ou grupos de estudo com colegas, nos quais professores compartilhem suas visões e investiguem de onde vem cada crença. Atividades como observar aulas gravadas, aplicar questionários sobre concepções de ensino e participar de discussões teóricas também ajudam a confrontar ideias sedimentadas com novos entendimentos.

 

A gênese das crenças docentes

As crenças dos professores sobre o ensino e a aprendizagem de línguas não surgem em um vácuo. Elas são construídas ao longo do tempo, a partir de múltiplas fontes: experiências pessoais como alunos, modelos de professores anteriores, formação acadêmica, contextos culturais e expectativas institucionais. Esse conjunto de influências se entrelaça para formar o que especialistas chamam de “conhecimento prático”, ou seja, saberes que guiam a prática do docente mesmo que não sejam, necessariamente, conscientes ou alinhados à teoria.

Por exemplo, um professor que havia sido exposto principalmente a métodos de ensino gramaticais durante sua formação escolar pode tender a valorizar esse tipo de abordagem, mesmo depois de ter tido contato com metodologias comunicativas em sua graduação. Essa memória afetiva e prática tem um peso significativo na forma como ele organiza e conduz suas aulas. A cultura escolar em que leciona também exerce forte influência: certas escolas valorizam métodos mais tradicionais, enquanto outras promovem abordagens baseadas em projetos e tecnologia.

É comum que essas crenças entrem em conflito com propostas pedagógicas inovadoras, como o ensino baseado em tarefas (task-based learning) ou o uso intensivo de recursos digitais. Tais tensões podem gerar insegurança, resistência ou mesmo rejeição por parte do docente, especialmente quando a formação continuada não oferece tempo e suporte para reflexão crítica. Um caminho para lidar com esses impasses é criar espaços colaborativos de diálogo entre professores, onde possam compartilhar experiências, confrontar visões e buscar construções coletivas de práticas atualizadas e contextualizadas.

Portanto, entender a origem das crenças docentes é essencial para qualquer proposta de mudança pedagógica. Ao reconhecer que essas crenças são legítimas e baseadas em vivências reais, abre-se espaço para processos formativos mais empáticos, que respeitam as trajetórias dos professores e os convidam à transformação de forma gradual e consciente.

 

Frameworks para compreender e questionar crenças

Quadros teóricos como os de Borg (2003) ajudam a identificar como essas crenças se desenvolvem a partir de experiências prévias como aprendizes, da formação inicial e contínua e das interações com colegas e alunos. Borg argumenta que as crenças dos professores são, muitas vezes, enraizadas e resistentes à mudança, sendo necessário um processo reflexivo constante para torná-las explícitas e passíveis de avaliação crítica. Para aplicar esse quadro em sala de aula, uma prática recomendada é o uso de diários reflexivos por parte dos professores, onde registram suas decisões pedagógicas e motivações, gerando um banco de dados pessoal para análise e crescimento profissional.

Por outro lado, o paradigma sociocultural, baseado em Vygotsky, oferece uma contribuição essencial ao considerar o ensino-aprendizagem como uma atividade mediada socialmente. Essa perspectiva entende o desenvolvimento linguístico como processo que ocorre por meio da interação com o outro, ou seja, a linguagem é aprendida no fazer conjunto e contextualizado. Em sala, isso pode ser promovido por meio de atividades colaborativas, projetos interdisciplinares ou o uso intencional da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) para planejar intervenções pedagógicas mais eficazes.

Esses frameworks são fundamentais não apenas para embasar a prática docente com maior coerência teórica, mas também para sustentar um desenvolvimento profissional contínuo e autorreflexivo. Ao buscar compreender suas crenças com base nesses modelos, os professores ganham ferramentas para alinhar suas práticas às necessidades atuais dos alunos, questionar pressupostos arraigados e construir saberes mais contextualizados.

Portanto, integrar essas concepções à formação docente — seja inicial ou continuada — é fator chave para promover mudanças reais nas práticas de ensino e aprendizagem de línguas. Workshops, grupos de estudo e comunidades de prática podem ser estratégias eficazes para aproximar esses frameworks teóricos do cotidiano escolar.

 

Fatores que impulsionam a mudança de crenças

A mudança nas crenças de professores sobre ensino de línguas é frequentemente provocada por momentos de dissonância cognitiva — quando a teoria aprendida entra em conflito com a prática real. Por exemplo, um professor que sempre valorizou a gramática formal pode repensar suas crenças ao perceber que seus alunos aprendem mais eficazmente em atividades comunicativas e contextualizadas. Esse tipo de confronto com a realidade impulsiona questionamentos, abrindo caminho para revisão e reconstrução de ideias.

Além disso, experiências de formação continuada assumem papel crítico nesse processo. Cursos, oficinas e jornadas pedagógicas que estimulem a reflexão ativa, com ênfase em estudos de caso e troca de experiências, proporcionam ao educador contato com novas perspectivas teóricas e práticas bem-sucedidas. Isso favorece a construção de um repertório mais diversificado, ajudando o professor a enxergar além de suas concepções anteriores.

Interações com colegas por meio de comunidades de prática também são altamente transformadoras. Em grupos colaborativos, educadores compartilham desafios, realizam observações em sala de aula e co-planejam estratégias, criando um ambiente seguro para o questionamento mútuo de pressupostos. Por exemplo, um grupo de estudo focado em ensino bilíngue pode provocar a redescoberta do papel da cultura e identidade no ensino de línguas.

Para garantir que essas mudanças sejam significativas e duradouras, sugere-se incluir momentos sistemáticos de autorreflexão no cotidiano pedagógico. Diários reflexivos, gravações das aulas e autoavaliações conduzidas a partir de rúbricas ajudam os professores a monitorar a evolução de suas concepções ao longo do tempo, promovendo uma transformação contínua e sustentada.

 

Resistência e estabilidade no repertório docente

A resistência à mudança muitas vezes surge da estabilidade que certas crenças oferecem ao professor frente à imprevisibilidade do cotidiano escolar. Em contextos cheios de demandas burocráticas, currículos inflexíveis e escassez de tempo para formação continuada, manter crenças consolidadas se torna uma forma de resguardar a coerência interna do fazer docente. Nesse sentido, crenças estabelecidas operam quase como âncoras psicológicas, oferecendo segurança num ambiente frequentemente caótico.

Além disso, contextos institucionais conservadores ou desconectados de inovações metodológicas podem reforçar narrativas tradicionais. Escolas que valorizam avaliações padronizadas e resultados imediatos tendem a resistir a práticas pedagógicas centradas no aluno ou em abordagens comunicativas no ensino de línguas. Assim, mesmo professores abertos ao novo podem sentir-se pressionados a preservar métodos tradicionais, ajustando suas ações às expectativas institucionais predominantes.

Uma abordagem prática para lidar com essa resistência é promover espaços colaborativos de reflexão, onde os professores possam compartilhar experiências e confrontar suas crenças de forma segura e construtiva. Rodas de conversa, grupos de estudos e análise crítica de práticas de sala são estratégias eficazes nesse processo. O uso de diários reflexivos também pode favorecer o reconhecimento gradual de incoerências ou limitações nas próprias práticas e incentivar a vontade de transformá-las.

Por fim, é importante destacar que questionar crenças não significa rejeitá-las automaticamente, mas compreender suas origens, efeitos e incongruências. Ao reconhecer quais crenças se mantêm relevantes e quais precisam ser ressignificadas, o professor amplia sua autonomia pedagógica e contribui para a construção de ambientes de aprendizagem mais alinhados com os desafios e recursos do mundo contemporâneo.

 

Crenças, tecnologia e hibridismo no ensino de línguas

Com a crescente presença das tecnologias digitais nas salas de aula, professores de línguas se veem desafiados a revisar suas crenças sobre ensino e aprendizagem. Ferramentas como o Duolingo, o Google Classroom, o Padlet e os fóruns de discussão online permitem usos da língua que vão além da estrutura gramatical tradicional, promovendo interações autênticas e contextualizadas. Essas plataformas facilitam a exposição a variações linguísticas, sotaques e gêneros textuais diversos, ampliando a compreensão do idioma como prática viva e dinâmica.

O hibridismo no ensino de línguas — que combina momentos presenciais e online — encoraja uma abordagem mais fluida e colaborativa. Por exemplo, o uso de podcasts para tarefas de escuta, vídeos curtos para promover a produção oral e blogs para prática escrita transforma o aluno em agente do próprio aprendizado. Essa prática potencializa habilidades multimodais e desafia a ideia de que o conhecimento está centralizado no professor ou em materiais didáticos impressos.

Para aplicar com eficácia essas abordagens, professores podem adotar estratégias como aulas invertidas, projetos colaborativos online e avaliação formativa com uso de tecnologias digitais. Além disso, refletir sobre a valorização da interação e da autenticidade nas tarefas linguísticas é fundamental para desenvolver práticas mais alinhadas aos contextos reais dos estudantes.

Transformar crenças exige tempo, disposição e apoio institucional. É importante promover formações continuadas que estimulem a experimentação e o compartilhamento de experiências bem-sucedidas entre educadores. Assim, o professor consegue reconstruir sua visão de linguagem, ensino e aprendizagem de forma mais crítica e alinhada aos desafios contemporâneos.

 

Cultivando uma postura reflexiva contínua

Encorajar a metacognição e desenvolver o hábito de refletir sobre as próprias crenças é um passo vital para o crescimento docente. Isso requer tempo, apoio institucional, diálogo entre pares e leitura crítica de referenciais teóricos. O primeiro passo envolve reconhecer que crenças pedagógicas afetam diretamente as decisões em sala de aula, desde o tipo de atividades propostas até as formas de avaliação utilizadas.

Uma prática recomendada é manter um diário reflexivo, onde o professor registre percepções sobre suas aulas, interações com os alunos, desafios enfrentados e revisões de visão sobre o ensino de línguas. A releitura periódica dessas entradas permite identificar padrões de pensamento e abrir espaço para ajustes baseados em evidências e feedbacks do contexto educacional.

O apoio institucional também é essencial: formações continuadas, comunidades de prática e grupos de estudos oferecem ambientes férteis para o diálogo entre pares, onde ideias são testadas, confrontadas e ressignificadas. Por exemplo, um grupo de professores pode discutir semanalmente um artigo acadêmico ou compartilhar experiências sobre abordagens inovadoras, como o uso de projetos interdisciplinares no ensino de línguas.

Adotar uma postura investigativa sobre sua prática significa entender-se como pesquisador em seu próprio contexto. O uso de instrumentos como gravações de aulas, entrevistas com alunos ou análise de rendimento permite ao docente gerar dados sobre seu trabalho e tomar decisões baseadas em reflexão crítica. Assim, o professor se torna agente ativo da própria transformação educacional, ampliando a eficácia de seu ensino e promovendo uma aprendizagem mais significativa.

 

Rodrigo Terra

Com formação inicial em Física, especialização em Ciências Educacionais com ênfase em Tecnologia Educacional e Docência, e graduação em Ciências de Dados, construí uma trajetória sólida que une educação, tecnologias ee inovação. Desde 2001, dedico-me ao campo educacional, e desde 2019, atuo também na área de ciência de dados, buscando sempre encontrar soluções focadas no desenvolvimento humano. Minha experiência combina um profundo conhecimento em educação com habilidades técnicas em dados e programação, permitindo-me criar soluções estratégicas e práticas. Com ampla vivência em análise de dados, definição de métricas e desenvolvimento de indicadores, acredito que a formação transdisciplinar é essencial para preparar indivíduos conscientes e capacitados para os desafios do mundo contemporâneo. Apaixonado por café e boas conversas, sou movido pela curiosidade e pela busca constante de novas ideias e perspectivas. Minha missão é contribuir para uma educação que inspire pensamento crítico, estimule a criatividade e promova a colaboração.

Deixe um comentário